«O instituto alemão Das Progressive Zentrum publicou uma pesquisa baseada em entrevistas porta-a-porta em zonas da Alemanha e França, acerca das motivações das suas populações para votarem em partidos de extrema-direita nas eleições de 2017. A grande maioria dos inquiridos não manifestou inclinações xenófobas, racistas ou discriminatórias contra refugiados, mas sim preocupações extremas com a precariedade do trabalho, a insegurança de rendimento ou a degradação das infra-estruturas e dos serviços públicos. E criticaram asperamente os agentes políticos e a comunicação social por não incluírem estes temas nas suas agendas.
Foi isto que alimentou a predisposição para votar em partidos aparentemente anti sistémicos, na AfD e em Marine Le Pen, por defenderem, por exemplo, a saída do euro e da União Europeia. A preocupação com a entrada de imigrantes foi muito mais um reflexo de defesa perante a degradação que lhes pareceu poder acentuar-se com a entrada de novas populações, do que uma intenção de forjar discriminação de culturas e práticas diferentes.
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Manuel Castells afirmou, a propósito do seu livro Europe’s Crises, “a classe política pode autodestruir-se. E aí virá a ascensão da extrema-direita”. Porque as instituições e a cena mediática excluíram muitos milhões de pessoas, a capacidade de decisão transferiu-se para instituições supranacionais não eleitas, ignorando as angústias de quem não tem meios para ouvir a sua voz. As votações inesperadas e nem sempre detetadas pelas sondagens em Trump e no "Brexit" exprimiram esta realidade profunda e invisível.
Vários países escandinavos viram partidos xenófobos na área da governação, na Suécia a extrema-direita tornou-se o fiel da balança entre esquerda e direita (como aconteceu nas recentes eleições da Andaluzia) e a xenofobia, nalguns casos, também se referiu a povos do Sul da Europa, como Portugal ou Espanha. Na Finlândia o partido True Finns apresentou-se a eleições com um único ponto – Não Ajudar Portugal – a propósito do resgate da dívida portuguesa. Isto é semelhante ao que disse Jeroen Dijsselbloem, "não os devíamos ajudar, porque gastam o dinheiro todo em álcool e mulheres...".
Esta evolução está expressa em alguns países do leste europeu ou da América Latina. A Hungria e a Polónia (onde a migração e os refugiados não existem) aproximaram-se de regimes autoritários e as suas instituições, formalmente democráticas, tendem a esvaziar-se. Tendências idênticas insinuam-se na República Checa e na Eslovénia. Steven Levitsky afirma que as democracias não serão atacadas com golpes militares sangrentos, como aconteceu no passado, mas por transformações lentas, incrementais dos atuais regimes, feitas por políticos eleitos democraticamente. O perigo desta trajetória é parecer legítima, por usar governos, tribunais e outras instituições para as subverter e dar poder absoluto a uma minoria.
O combate à extrema-direita só pode fazer-se anulando as condições que a tornaram atraente: recuperando instrumentos de soberania perdidos, evitando os efeitos nefastos da globalização, restabelecendo a natureza universal dos serviços públicos, investindo nas infra-estruturas, devolvendo estabilidade às camadas intermédias da população, fomentando o pleno emprego e o fim da precariedade, eliminando a pobreza e combatendo as desigualdades. Toda a esquerda deverá ser desafiada para este programa de emergência. Só assim estará à altura das suas responsabilidades históricas na luta contra a ascensão da extrema-direita.»
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