6.1.19

Novos muros velhos



«Há alguns meses circulou a imagem de um menino migrante preso numa jaula nos Estados Unidos. Uma imagem construída para representar uma realidade mais atroz. Muitas pessoas, entre as quais me incluo, partilharam esta imagem nas redes sociais. A maioria dos comentários a esta imagem não se prenderam no problema que ela continha, mas antes sobre o facto de a imagem não ser real. Pois, não era real, a realidade era bem pior do que a sua encenação. Nos últimos meses, crianças oriundas da América Central morreram nas mãos das autoridades norte-americanas. Ao horror da detenção de crianças e de famílias em jaulas juntou-se o impasse das vidas da mais recente caravana migrante oriunda, sobretudo, das Honduras.

Desde a eleição de Trump que muito se tem falado sobre a promessa de um muro entre os Estados Unidos e o México para supostamente controlar os fluxos migratórios. No final desta semana, a Câmara dos Representantes voltou a chumbar a construção do muro de Trump, justificado tanto pela sua ineficácia como pelos custos exacerbados. Mais uma vez assistiremos ao Senado, dominado pelos Republicanos, a não aprovar a proposta da Câmara. O próprio Trump já ameaçou na sua conta do Twitter: "O muro está a caminho."

A atenção que é dada ao muro de Trump contrasta com a omissão pública dos muros que se vão construindo um pouco por toda a Europa. À beira dos 30 anos da queda do Muro Berlim percebemos que este não foi o último a cair na Europa. Já a promessa que a sua queda acarretava, a de um mundo multipolar mais democrático, essa continuou a cair com o muro.

A suposta ameaça migratória tudo justifica e, embora não se fale do assunto, cerca de metade do muro de Trump já está edificado em território europeu. São 1200 quilómetros de cimento, de concreto, de arame farpado, do que seja necessário para erigir barreiras físicas. São já 1200 quilómetros de vergonha. Na Hungria, na Grécia, em França, em território espanhol, na Eslovénia, na Macedónia e na Bulgária erguem-se os muros à mesma velocidade que se fecham os olhos às atrocidades que lhes estão associadas.

São os nove quilómetros de Ceuta e os 12 quilómetros de Melilla. Apesar de em território africano, são espanhóis. É o muro de Nea Vyssa, na Grécia, ou os quatro metros de altura do muro de Calais, em França. São os 30 quilómetros erigidos pela Bulgária na fronteira com a Turquia ou os escandalosos 175 quilómetros de Viktor Órban que separam a Hungria da Sérvia. Desde 1993 que não pararam as construções de muros em território europeu. A cada rota migratória - a do Mediterrâneo Ocidental, a do Mediterrâneo Central, a do Mediterrâneo Oriental e a dos Balcãs - os seus muros. Na Europa parece ter-se esquecido que os muros, tal como qualquer barreira, não impedem apenas as entradas. Estes são também os muros que nos têm reféns a todos de uma política que ou se trava ou só pode acabar mal.»

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