7.1.19

O irmão de Bolsonaro



Assino por baixo tudo o que está escrito neste texto. E se Luis Leiria «pecou» foi por omissão, ao não falar da falta de indignação, individual e colectiva, que este episódio devia ter provocado e não provocou (com poucas e honrosas excepções).

«A ida do presidente Marcelo Rebelo de Sousa à posse de Jair Bolsonaro na Presidência do Brasil, no passado dia 1, envergonha-me e deve envergonhar todos os democratas portugueses.

Não se pode encarar a chegada ao poder do candidato da extrema-direita como se fosse uma outra qualquer. Estamos a falar de um candidato que terminou a campanha com uma ameaça aos seus adversários, afirmando que estes só tinham dois caminhos – a prisão ou o exílio; de um candidato que é racista, xenófobo, que despreza e rebaixa as mulheres, que declara os índios como inimigos do desenvolvimento da nação, que defende a tortura e especificamente torturadores como Brilhante Ustra, o homem que levava filhos menores a ver a mãe despida e barbaramente torturada. Somente isto, a apologia da tortura, já seria suficiente para tornar um simples aperto de mão um ato repugnante.

Marcelo Rebelo de Sousa não desconhece nada disto. Mesmo assim, foi à cerimónia de posse. Poderia não ter ido; Portugal poderia ter estado representado por outra delegação que não incluísse chefe de Estado e em nada isso prejudicaria as atuais relações comerciais entre os dois países nem a comunidade portuguesa no Brasil.

À cerimónia de posse de Jair Messias Bolsonaro compareceram 46 delegações estrangeiras, das quais apenas dez eram lideradas por chefes de Estado. Entre estes dez, a grande estrela foi Benjamin Netanyahu, de Israel. Da Europa, além de Marcelo, só estava Viktor Orbán, da Hungria, que partilha com Bolsonaro a orientação de extrema-direita.

As 46 delegações marcaram uma das mais reduzidas presenças estrangeiras de sempre. Para se ter uma ideia, a posse de Dilma Rousseff, em 2011, contou com a presença de 130 delegações estrangeiras, das quais 32 eram lideradas por chefes de Estado.

Não contente com ter ido abrilhantar a chegada ao poder do primeiro presidente desde o fim da ditadura militar que professa uma política neofascista, Marcelo Rebelo de Sousa ainda exultou com o destaque dado à diplomacia portuguesa, salientando que Portugal ficou em 3º lugar no alinhamento dos cumprimentos. E sublinhou o "tom fraternal" do encontro com Bolsonaro: "Como eu disse, e como disse o presidente Bolsonaro, era uma reunião entre irmãos, e entre irmãos o que há a dizer se diz rápido, como se diz em família, e há uma empatia natural entre povos que facilita fazer passar a mensagem".

Para fechar, a cereja no topo do bolo foi o convite para que o presidente brasileiro faça uma visita oficial a Portugal em 2019.

Como não considerar este comportamento uma rasteira aos democratas brasileiros, aos opositores de Bolsonaro que, como Guilherme Boulos, ex-candidato pelo PSOL, foram nominalmente ameaçados pelo novo presidente? Que deceção a dos brasileiros que não apoiaram Bolsonaro e que, diante do discurso de ódio e de guerra partilhado por todo o novo governo de Brasília esperavam tudo menos este comportamento entusiasta do mais alto representante de Portugal, um país visto como uma exceção à onda de extrema-direita que varre a Europa!

Repito: a subida ao poder da extrema-direita num país continental como o Brasil não é nem pode ser visto como um acontecimento corriqueiro. As ilusões de que o liberalismo selvagem do novo governo vai provocar o crescimento económico em breve se desfarão e o fluxo de brasileiros à procura de uma vida melhor na Europa, incluindo Portugal, vai prosseguir. Com uma diferença, a forte possibilidade de esse fluxo ser engrossado pelos perseguidos políticos. Será descabido lembrar que ainda não se sabe quem matou Marielle Franco, que os seus assassinos e os mandantes do crime continuam à solta?»

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