«No ano passado, já eram 33 os municípios que não tinham uma única estação de correios. Este ano, segundo a administração dos CTT, passarão a ser 48. Concelhos do interior envelhecidos onde os cidadãos mais dependem deste serviço. São mais de 15% dos municípios onde residem mais de 400 mil portugueses. Estas estações foram substituídas por postos de correio que funcionam em estabelecimentos comerciais, como mercearias ou postos de turismo. Apesar da administração que tem sido responsável pela descredibilização de uma das empresas que melhor funcionava em Portugal pôr as mãos no fogo pela qualidade dos seus “parceiros”, a Anacom diz que da substituição de estações por estes postos resultou, “particularmente ao logo dos últimos meses, uma situação de degradação na forma como o serviço postal está disponível para os utilizadores”.
No país que vive noutro país a privatização dos CTT não foi um problema. Mas o país que não acorda para o interior quando ele, deserto, sem massa crítica e abandonado, é consumido pelas chamas, esta privatização foi mais um crime contra a soberania no território, que depende da existência física de serviços públicos e do Estado.
A grande promessa da segunda vaga de privatizações (depois das que eram mais ou menos óbvias) foi a de que elas corresponderiam a ganhos de concorrência, redução de custos para os cidadãos e fortalecimento da economia portuguesa. Tudo foi esmagadoramente desmentido. Tirando uma malta que embolsou algum com estes negócios e a entrada de capital que rapidamente se esfumou, tudo o resto foram perdas. Genericamente, os serviços são mais caros; várias destas empresas funcionam, na prática, em regime de monopólio privado; e a economia portuguesa foi estripada de quase todas as suas empresas de referência. Resta-nos a patega fé no milagre das startups.
A Cimpor e PT, que foram potentes empresas nacionais, com contribuições fundamentais para a economia do país e para a sua internacionalização, são uma sombra do passado. No caso da Cimpor, podemos mesmo falar de um crime contra a economia nacional. A EDP foi nacionalizada através da sua entrega a outro Estado. A REN e ANA são, como não podiam deixar de ser, monopólios que usam o poder desse seu estatuto e que limitam dramaticamente as grandes escolhas que podíamos fazer. E os CTT degradam-se a olhos vistos, apostando tudo na construção de mais um pequeno banco – que deveria ter sido feito em conjunto com a CGD quando as duas empresas eram do Estado e isso poderia corresponder a um ganho para os cidadãos.
Hoje, qualquer pessoa que defenda estas privatizações tem de se refugiar em dogmas ideológicos. Independentemente da posição política que cada um tenha, a privatização ou nacionalização de empresas depende da realidade económica de cada país e de cada momento, da escala em que essas empresas operam e das condições políticas e regulatórias a que estão sujeitas. Claro que há quem ache que o interesse económico nacional é uma fantasia e que a destruição do tecido empresarial de um país deve ser encarada como um fenómeno natural e até regenerador. Que entre mortos e feridos, o importante é que nada trave a purificadora livre-concorrência. Nas economias fortes não se costuma dar ouvidos às fantasias destes liberais dogmáticos. É uma das razões para serem fortes: tratam, com pragmatismo, dos seus interesses.»
.
0 comments:
Enviar um comentário