5.2.19

A diplomacia não tem de reconhecer se Maduro merece ser Presidente, mas se ainda o é de facto



«Como escrevi na semana passada, o combate entre Maduro e Guaidó até pode ter tudo a ver com democracia mas não tem nada a ver com legitimidade democrática. Se Maduro foi eleito Presidente numas eleições contestadas, Guaidó foi eleito Presidente por um Parlamento que não tem, num regime presidencialista, esse poder. Se Juan Guaidó não foi eleito por um único venezuelano – nem deputado é –, a Assembleia com que Nicolás Maduro governa é ilegítima. Em resumo, o que está em causa não é a legitimidade institucional, que falta aos dois, é a legitimidade política. Que não vem das instituições, nasce neste momento da rua. É o que acontece quando as instituições deixam de cumprir as regras.

O problema é quando nos tentam enganar. A pressão dos Estados Unidos, acompanhada por meio mundo, nada tem a ver com a legitimidade de um ou de outro Presidente. Os EUA nada fizeram para defender o Presidente Manuel Zelaya, eleito pelos hondurenhos e derrubado por um golpe militar, em 2009. Pelo contrário, hoje sabemos que estiveram ativamente envolvidos na sua destituição. Nunca, na história da América Latina, os EUA foram um fator de democratização. Não é seguramente com Donald Trump que o começarão a ser.

Afastadas as duas fantasias – de que a legitimidade de Maduro ou de Guaidó é o que está em debate ou que a intervenção dos EUA tem alguma coisa a ver com a defesa da democracia –, devemos assumir que o governo em funções não tem apoio popular e só umas eleições presidenciais poderão resolver a desesperada situação da Venezuela. Deve ser esta a pressão internacional.

A legitimidade democrática de um chefe de Estado não é critério de reconhecimento internacional. Se fosse, teríamos de fechar metade das embaixadas em Portugal e no mundo. Não poderíamos reconhecer os chefes de Estado e os governos da China, da Arábia Saudita, do Egito, de Cuba, da Tailândia e de dezenas de países africanos e asiáticos com menor legitimidade democrática do que Nicolás Maduro. No entanto, não só os reconhecemos como mantemos relações diplomáticas estreitas e amistosas com muitos deles. E bem.

O critério para reconhecer um governo e um chefe de Estado é eles serem-no de facto. Só faz sentido deixar de o fazer quando deixam de controlar o aparelho de Estado ou há uma enorme segurança de que deixarão de o controlar rapidamente. Por uma razão simples: só assim se mantêm relações com esse Estado, não apenas com políticos.

É verdade que o reconhecimento de Guaidó como legítimo Presidente da Venezuela se concentrou exclusivamente na sua capacidade de marcar novas eleições. Esse cuidado deve ser sublinhado. No entanto, quando Portugal reconhece Guaidó perde o contacto com o Estado venezuelano, a sua embaixada e as suas estruturas de poder, com exceção do Parlamento, sem qualquer função na representação externa.

Tendo em conta a quantidade de portugueses que vivem na Venezuela, considero esta decisão um seguidismo irresponsável. Ainda por cima, não o faz para reconhecer um Presidente eleito. Fá-lo em nome de um símbolo, que pode vir ou não a ser Presidente. Fá-lo num momento de enorme incerteza, quando não se sabe quem realmente irá governar. E se, por um qualquer milagre, Maduro se mantiver no poder? Portugal deixa de ter qualquer relação com o Estado venezuelano? Volta atrás?

O reconhecimento de Juan Guaidó, que implica um corte total de relações diplomáticas com a Venezuela pelo menos até que a oposição conquiste o poder, é um ato exclusivamente político para apertar o cerco a Maduro. Não se faz em nome da democracia, que é uma luta fundamental para os venezuelanos mas um mero pretexto para os Estados Unidos e governos que o acompanham, mas em nome da reconfiguração política do continente. Muitos dos países europeus que quiseram dar este passo podem dar-se a esse luxo. Incluindo o de ficar, caso as coisas tenham um desenvolvimento inesperado, sem pontes de contacto com Caracas. Portugal não.

Dizer isto não é desejar a continuação de Maduro ou levar a não ingerência ao ponto de sermos indiferentes ao que se está a passar na Venezuela. Não embarcar nesta precipitação, que em vez de promover a paz empurra a Venezuela para a guerra civil, é entrar no perigoso comboio de Trump. Não preciso de vos dizer que se o comboio de irresponsáveis conduzido por Bush acabou como acabou, este tem tudo para acabar bem pior.»

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