17.3.19

Este terrorismo



«Terrorismo é terrorismo, no Médio Oriente ou nos nossos antípodas. Não lhes chamem loucos, não os tratem por atiradores, chamem-nos terroristas, tratem-nos por assassinos. Mas saibamos medir o nosso tremor europeu à sua real escala e perceber como à medida que o Daesh perde força os ataques de extrema-direita aumentam. Como ontem na Nova Zelândia.

Os números são assustadores e os relatos medonhos. 49 mortos contados à hora do almoço cá, noite lá, quando à porta do hospital se amontoavam familiares em angústia sem saberem se os corpos dos seus se encontravam entre os cadáveres desfeitos por outros. Sincopadamente, na praça de espera, alguém cortava o silêncio com um grito. A má notícia chegava, uma de cada vez.

Um terrorista de extrema-direita assassinou dezenas de muçulmanos.

O seu manifesto, que os jornais não publicaram para não servir os intentos propagandistas dos perpetradores, é claro nisso: no ódio aos imigrantes, na xenofobia, na apologia do que os anglo-saxónicos chamam supremacismo branco. Na arma de fogo estavam escritos os nomes de outros assassinos de muçulmanos, de migrantes. Nomes de neonazis.

Talvez nos tenhamos habituado à sucessão de tragédias no mundo e tenhamos perdido a escala. O número de ataques e de vítimas mortais está em queda, depois do pico de quase 33 mil mortes no mundo em 2014. Foram 19 mil em 2017. Desses, mais de quatro mil no Afeganistão como no Iraque, mais de mil na Nigéria, na Somália como na Síria. Todos países envolvidos em conflitos armados. É no Médio Oriente e no Norte África que se concentram mais ataques, com muçulmanos a sofrer com o fanatismo de outros muçulmanos. Na Europa, houve 204 vítimas mortais (Portugal é um dos quatro países onde não houve vítimas mortais de terrorismo nos últimos 20 anos, juntando-se a Chipre, Islândia e Suíça). Nos Estados Unidos e no Canadá morreram 85.

Todos estes dados constam do relatório do Índice Global de Terrorismo 2018, que mostra as razões mas também as diferenças. E é lá que já estava escrito que há um fenómeno a emergir, o da extrema-direita. Na América do Norte e na Europa Ocidental não há guerras e o terrorismo não tem a dimensão do que sucede noutras regiões, sendo aqui motivado sobretudo por razões de radicalização religiosa, por alienação social e por desigualdades económicas. Mas é aqui, no Ocidente, e em países maioritariamente brancos, como a Nova Zelândia é, que ataques de terroristas de extrema-direita nos surpreendem.

A política é tanto parte da causa como parte da consequência deste terrorismo. Porque os discursos securitários e as políticas nacionalistas, as decisões xenófobas e a palavra populista criam espaço para si mesmos. O ódio alimenta-se do medo. Trump não é um fantoche, Putin não é uma flor e na Europa que ambos querem entalar e enlatar a extrema-direita ganha votos e os antieuropeístas ganham lugares. Se a União Europeia se cinde, se os extremistas a tomam a cavalo de Troia, não vamos desta para melhor, mas vamos disto para pior.»

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