«Parvus, do latim, significa pequeno, exíguo, pouco. Em português pode ter outro significado, em frases como "É parvo ou faz-se?". Mas isso pouco importa, pois temos de responder à pergunta em epígrafe, dada a gravidade dos problemas que a levantaram, deixando para quem de direito as questões relacionadas com a sua formulação.
Portugal está a viver um problema sério que é o da violência doméstica. É um problema que toca a todos e que tem de ser resolvido. Muitos já sabem como resolvê-lo, até porque não é só português, e restará apenas a capacidade de organização da resposta e da sua concretização no terreno. Aliás, sem se saber de nada específico sobre a solução, sabemos que o que é preciso fazer tem mais de incremental do que revolucionário. O país, afinal, já mostrou perante outros desafios que tem as necessárias capacidades.
Ora, a gravidade dos actos do juiz em causa é que eles traduzem uma negação da necessidade da mudança no que diz respeito à violência doméstica. Assim, quantos mais falarmos, melhor.
As palavras de Moura têm duas origens fundamentais e interligadas, relacionadas com o pensamento da pessoa em causa e com o cargo que ocupa. Quanto ao pensamento, ele pode escrever como escreve por questões geracionais, por falta de dimensão cultural, ou por razões de outros foros; mas também pode falar como fala porque acha que o mundo não deve ser como aqueles que se preocupam com as medidas de eliminação da violência doméstica acham que deve ser (sobre este segundo aspecto, continuaremos mais abaixo).
Quanto ao cargo que ocupa, o problema traduz um resto de subdesenvolvimento institucional que ainda há no país, que é o de algumas classes profissionais não terem mecanismos eficientes de controlo sobre os actos dos seus membros.
Houve profissões em que as mudanças foram sentidas e muito importantes. Por exemplo, os professores universitários são hoje avaliados pelos alunos. Isso vale o que vale, mas imagine-se algo assim nos anos 1960. Os médicos, sobretudo os das gerações mais novas, mas os demais também, hoje explicam melhor o que fazem e estão enquadrados em instituições (hospitais, centros de saúde) às quais têm de responder. Há inúmeros exemplos positivos deste género e, como sabemos, todos ficam a ganhar, incluindo os profissionais em causa. Todos os que trabalham ou querem trabalhar bem gostam de ser avaliados.
Ora, parece que alguns juízes se sentem ainda de fora dessa vaga de responsabilização dos actos e das palavras, perante instituições acreditadas para o fazer. A consciência própria não avalia nada, apenas impede o pior. Isto tem custado a mudar e as razões prendem-se - é mesmo, não é pretexto - com o trauma da herança da ditadura do Estado Novo, que levou ao extremar da autonomia dos juízes relativamente à política. É um problema institucional por resolver, e não um problema de quem são os juízes.
É preciso fazer alguma coisa para não dar espaço a que o tal juiz escreva o que escreveu e decida em conformidade, como decidiu. Como fazê-lo? Dado que por lá não falta seguramente massa cinzenta, cabe aos próprios juízes organizarem-se e dizê-lo - o que não têm feito, pelo menos à velocidade necessária.
Mas voltemos à segunda parte do problema do pensamento do juiz em causa, a saber, a eventualidade de escrever como escreve porque acha que é mesmo assim. Encurtando razões, esta questão tem um lado nada pequeno (ou nada parvus), relacionado com a pertinência das chamadas "causas fracturantes" e do "politicamente correcto". "Entre marido e mulher não metas a colher" era uma frase que se ouvia (embora em meu torno já dita de forma jocosa) recorrentemente ainda há umas décadas. Ou "lá em casa quem manda é ela, mas quem manda nela sou eu". O "politicamente correcto", tão criticado, diz que já não podemos falar assim? - Não, de facto, não podemos, e as acções do tal juiz mostram bem porquê. Afinal, o que ele fez foi traduzir as palavras em actos. E em mais sofrimento. As palavras têm, de facto, consequências.
Dito isto, o importante mesmo é que o sistema que integra os juízes encontre formas efectivas de avaliar e classificar os actos dos mesmos. Os maus, os pequenos, perderão; os bons, os grandes, ganharão. A sociedade progredirá e, um dia, quem sabe, as discussões sobre a pertinência do "politicamente correcto" serão coisas do passado.»
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