«Parece haver uma espécie de consenso nacional de que o populismo, por cá, não vingou. Tirando alguns pequenos epifenómenos, como o de Marinho e Pinto há cinco anos - que implodiu rapidamente -, nenhum dos chamados partidos populistas teve, até hoje, expressão eleitoral, ao contrário do que aconteceu noutros países europeus, e isso descansa-nos. Mas é um erro pensar assim.
Se o populismo não vingou, até agora, em Portugal, isso deve-se sobretudo a dois grandes fatores: à inversão do ciclo económico e à solução governativa da geringonça que, se tivesse corrido mal, corria mesmo muito mal. Mas tendo corrido bem - na medida em que aguentou uma legislatura -, acabou por dar alguma sustentação aos chamados partidos do regime, sobretudo ao PS. Entre a reposição de rendimentos, uma economia a crescer, o desemprego a cair, o diabo do populismo não teve grandes hipóteses de furar. O que não significa que ele não esteja aí... à espreita.
Há várias evidências de que esta ameaça se mantém viva. Bastaria estar atento às redes sociais - o ecossistema favorito deste tipo de movimentos populistas - para perceber a rapidez com que eles se multiplicam e a linguagem cada vez mais irascível que usam. É o ódio que lhes alimenta os likes e as partilhas. Mas é a cobardia que melhor os define.
Há, no entanto, outros riscos, que são exatamente os mesmos que existiam há quatro anos, quando António Costa virou o tabuleiro político em Portugal e se fez primeiro-ministro, com a ajuda do PCP e do Bloco. Ao trazer, pela primeira vez, estes dois partidos para "dentro do sistema", Costa conseguiu evitar fenómenos populistas vindos, sobretudo, da extrema-esquerda - sim, que o populismo está longe de ser um exclusivo da direita. Não por acaso, o Bloco perdeu recentemente 25 militantes, em desacordo com a linha que o partido tem vindo a seguir. E as dificuldades internas que Jerónimo de Sousa tem enfrentado, por ter dado a mão ao Partido Socialista, também não serão por acaso.
A verdade é que a geringonça, mesmo tendo cumprido e ultrapassado as primeiras expectativas, parece não ter conseguido recuperar a confiança do eleitorado nos chamados partidos do sistema. Basta olhar para as sondagens e perceber que, apesar de todo o dinheiro que foi devolvido às famílias, dos empregos criados, dos números do défice, a maioria absoluta do PS parece cada vez mais difícil. Basta olhar para a base eleitoral do BE, do PCP, do PS, do PSD e do CDS, e constatar que ela é praticamente a mesma de há quatro anos. Basta olhar para a abstenção e confirmar que, se não perderem eleitorado, os partidos do regime terão muitas dificuldades em conquistar novos votos.
Uma das ameaças tem que ver, precisamente, com o xadrez político que sair das próximas eleições. Se levarmos a sério as declarações de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa, de que a geringonça, neste modelo, é irrepetível, um PS a governar em minoria - e a ter de negociar à esquerda e à direita - aumenta o potencial de risco de instabilidade política. E essa pode ser uma primeira brecha para o populismo.
O outro risco - que, associado ao anterior, pode tornar-se desastroso - tem que ver com uma eventual inversão do ciclo económico. Que ninguém sabe quando acontecerá, mas toda a gente sabe que virá. Uma nova crise económica, mesmo que vinda de fora, num país onde a dívida ainda é assustadoramente grande, onde tantas reformas ainda estão por fazer e onde o número de grandes empresas é cada vez menor, pode ter efeitos políticos devastadores.
Por fim, o terceiro grande risco vem do centro-direita. Podemos começar por lembrar que foi o PSD de Passos Coelho que criou André Ventura. E agora que a criatura quer comer o criador é também com ele que o partido vai ter de não só disputar o eleitorado abstencionista, mas tentar, ao mesmo tempo, não perder votos.
A implosão do PSD, enquanto partido agregador deste espectro político, tem múltiplas razões, quase todas elas já abundantemente analisadas. Do discurso do diabo que não veio à total ausência de discurso, foi um tiro. Daí às convulsões internas, divisões, deserções, sejam elas de dentro para fora ou feitas internamente, o PSD tem vindo, progressivamente, a perder a mão de um espaço político que era seu e não se tem revelado capaz de travar esta tendência, quanto mais de a evitar.
Talvez essa seja uma das grandes missões de Rui Rio. Será também essa, porventura, a ambição de Pedro Santana Lopes, com o Aliança. E é, seguramente, esse o objetivo enunciado pelos vários movimentos que têm nascido como cogumelos dentro do próprio PSD, mesmo que alguns deles não estejam a conta-nosr tudo.
A verdade, porém, é que, no centro-direita, continua a falhar o essencial: uma estratégia para o país, um discurso e um líder suficientemente carismático para recuperar a confiança do eleitorado.
A continuar assim, há uma porta que fica cada vez mais escancarada aos populistas. Abutres que se alimentam dos fracos, dos famintos, dos descontentes e dos revoltados. E se é verdade que o populismo pode vir de qualquer lado - ou de lugar nenhum, como se viu no Brasil -, não é menos verdade que, em Portugal, o risco, neste momento, é muito maior no centro-direita.»
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