19.5.19

A hostilidade aos professores



«A hostilidade aos professores é evidente em muitos sectores da sociedade portuguesa. Manifestou-se mais uma vez no último conflito gerado pelas votações dos partidos na Assembleia atribuindo aos professores a contagem integral do tempo de serviço. Antes, durante e depois deste processo, a vaga de hostilidade aos professores atingiu níveis elevados, com a comunicação social a escavar fundo a ferida, com sondagens orientadas e uma miríade de artigos de opinião e editoriais.

Valia a pena parar para pensar, porque este movimento de hostilidade é mais anómalo do que se pensa, e acompanha outros, como o ataque aos velhos como sendo um “fardo” dos novos. Mostram que estamos a entrar numa cosmovisão social que implica um retrocesso enorme naquilo a que chamamos precariamente “civilização”. É preciso recuar muito para encontrar ataques aos professores, o último dos quais teve expressão quando a escola laica, em países como a França, foi um alvo importante da igreja, que tinha o monopólio do ensino.

Mas eu seria muito cuidadoso sobre as razões dessa actual hostilidade, porque ela incorpora aspectos muito negativos da evolução da nossa sociedade. É um caminho que muita gente está a trilhar, sem perceber que ele vai dar a um profundo retrocesso. E isso acontece muitas vezes na história: anda-se para trás quase sem se dar por ela, contando com a inacção, a apatia, ou a acédia, de quem deveria reagir. Como a democracia é uma fina película contra a barbárie e é apenas defendida pela vontade dos homens e não por nenhuma lei da natureza, mais vale prevenir com todos os megafones possíveis.

Há vários aspectos na actual hostilidade. Há uma agravante no caso português que tem a ver com a vitória muito significativa da ideologia da troika, que está longe de ter desaparecido e, nalguns casos, migrou para sectores que lhe deveriam ser alheios e não são: os socialistas, por exemplo. Disfarçada de “economia”, essa ideologia assenta numa visão pseudo-cíentifica, muito rudimentar e simplista, cheia de variantes neo-malthusianas, que se apresentou como não tendo alternativa, a nefasta TINA. Isto encheu-nos as cabeças e não saiu delas.

Essa ideologia centra-se na crítica do Estado, em particular do Estado social, e transforma os funcionários públicos em cúmplices de uma rede de privilégio, sendo descritos apenas como “despesa” excessiva. Vale a pena ensinar-lhes um pouco de história europeia e lembrar-lhes o papel do Estado desde Bismarck como instrumento para impedir sociedades bipolares de “proletários” e ricos, com a consequente conflitualidade social extrema. Acresce que esse processo criou à volta do Estado uma classe média, os tais desdenhados funcionários públicos, que não só funcionou como tampão como arrastou muita gente que vinha da pobreza e acedeu à mediania. A economia privada e o dinamismo das empresas, quando existiu ou existe, teve e tem igualmente esse papel, mas não chegou para criar este elevador social.

Portanto, gritem contra a função pública e os malefícios do Estado, que também existem como é óbvio, mas percebam que o pacote de não ter professores, enfermeiros, médicos, jardineiros, funcionário das repartições, leva atrás de si o ensino e a saúde pública, que são componentes essenciais do elevador social, o único meio de retirar as pessoas da pobreza, quer no privado, quer no público. Pais lavradores, que conheceram a verdadeira pobreza, filha professora primária ou funcionária pública, neto estudante universitário – sendo que o papel da educação é um elemento fundamental para esta ascensão.

Depois, há outros ingredientes. Os professores protestam, fazem greves, boicotam exames, fecham escolas, e hoje há uma forte penalização para as lutas sociais. Quem defende os seus interesses é penalizado e de imediato tem contra si muita comunicação social, o bas-fond das redes sociais e a maioria da opinião pública. São os enfermeiros, os camionistas, os professores, os trabalhadores dos transportes – manifestam-se, são logo classificados de privilegiados e egoístas. Os mansos que recebem migalhas no fundo do seu ressentimento invejam quem se mexe. Sem mediações, a sociedade esconde os que não precisam, e pune os que lutam. As greves hoje são solitárias.

Por fim, e o mais importante, há uma desvalorização do papel do professor, de ensinar, de transmitir um saber. Vem num pacote sinistro que inclui o falso igualitarismo nas redes sociais, o ataque à hierarquia do saber, o desprezo pelo conhecimento profissional resultado de muito trabalho a favor de frases avulsas, com erros e asneiras, sem sequer se conhecer aquilo de que se fala. É o que leva Trump a dizer que se combatia o incêndio de Notre Dame com aviões tanques atirando toneladas de água, cujo resultado seria derrubar o que veio a escapar, paredes, vitrais, obras de arte. É destas “bocas” que pululam nas redes sociais que nasce também a hostilidade aos professores. É o ascenso da nova ignorância arrogante, um sinal muito preocupante para o nosso futuro.»

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1 comments:

Abraham Chevrolet disse...

Não desvalorizo e ninguém de senso desvalorizará os professores. Eles são absolutamente necessários, são precisos muitos mais e muitíssimo melhores.
O que desagrada,estraga a imagem e afasta as pessoas é. O Bastonário dos professores,esse homem infeliz,proceder como procede.
Aparece em todos os telejornais:primeira prática mortal.Diz sempre a mesma coisa;já ouviu falar dos 9 anos 4 meses e 2 dias? Cala-se quando não deve,não falou durante a troika.
Porém,o pior defeito é,por sistema,o homenzinho nunca falar das outras profissões, das dificjldades gerais dos portugueses,do mundo de dificuldades que a todos apertam.Ele não vê mais nada,não ouve mais nada,não sente mais nada a não ser a profissão que diz defender.
Gente desta adquire um carácter repulsivo,terrível pars a classe que dizem representar.
Nova gente,novo discurso,nova mentalidade,e logo se honrará uma classe indispensável.