«E se a crise em torno dos professores não tiver sido má de todo para a ‘geringonça’? Porventura a hipótese pode ser colocada.
É óbvio que, se a ameaça de demissão se tem concretizado, as condições para PS, BE e PCP se voltarem a entender eram bem menores. Levar a legislatura até ao fim é uma condição necessária para a formação de uma nova ‘geringonça’, mesmo que com contornos distintos da atual. Mas pode bem não ser suficiente.
Recuemos três anos e meio. Quando o executivo tomou posse, pairavam dois espetros sobre os partidos que apoiam a solução parlamentar: para muitos, o PS estava a esquerdizar-se de forma irreversível, a alienar o centro e a deixar-se capturar pelo radicalismo dos seus parceiros; para outros tantos, era o PCP e o BE que iam perder a identidade programática, acabariam no bolso do PS e, quando fosse altura de votar, os portugueses poucos incentivos teriam para dar-lhes o seu voto.
Hoje sabemos que nenhum dos dois cenários se concretizou. PS, BE e PCP preservaram, no essencial, a sua identidade programática. A crise em torno dos professores também pode ser lida à luz desta tendência. Afinal, a dramatização ajudou a cimentar a clivagem e acentuou a diferenciação entre partidos. Claro está que com riscos associados. Desde logo, ao ameaçar o equilíbrio entre demarcação e capacidade de preservar o diálogo.
E a abertura para o diálogo é a chave para quem considera que nenhum partido, por si só, alcançará uma maioria absoluta. Aliás, tendo em conta que, tudo indica, a maioria de votos estará nos partidos à esquerda, a governabilidade dependerá, de novo, de um entendimento a três.
O que traz de volta o tema das contas certas. Após o resgate, a má reputação orçamental passou a ser o principal handicap eleitoral dos socialistas. Ao longo desta legislatura, o PS recuperou a credibilidade perdida e, por exemplo, com a crise em torno da carreira dos professores, conseguiu mesmo sugerir que é o único partido responsável orçamentalmente. Não é um ativo irrelevante.
Mas também não é um ativo suficiente para vencer eleições e criar condições de governabilidade. Com a economia a crescer e o emprego em alta, os temas económicos e orçamentais tendem a perder saliência e os eleitores passam a preocupar-se com outros assuntos – por exemplo com a qualidade dos serviços públicos na educação, saúde e proteção social. Mais importante, o rigor passa a ser visto como um instrumento que tem de estar ao serviço de alguma coisa.
Logo, agora que o PS ficou com a bandeira da responsabilidade orçamental e que BE e PCP são vistos como representantes credíveis dos interesses de partes do eleitorado, a obrigação dos três partidos é encontrarem uma plataforma partilhada que diga o que é que pretendem fazer com as contas certas. Se não o fizerem, as condições de governabilidade serão poucas e os eleitores não lhes perdoarão.»
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