«Se há algo que resulta claro do processo de inquirição a Joe Berardo, é que a avaliação e resultados finais das comissões de inquérito dependem muito mais da desfaçatez dos inquiridos do que das competências de qualquer uma das comissões.
Convém, assim, que o inquirido seja um pulha, um mau carácter. Que goze e abuse da prepotência, que seja inábil na gestão do seu ego desmedido e que, de preferência, finja ter a memória de um peixe de águas frias e profundas. Se assim for, os resultados são garantidos: um pleno de indignação. Se, por outro lado, os inquiridos tiverem a personalidade de uma amiba, despojados de qualquer tipo de golpe de asa, amorfos por conveniência, humildes e defensivos até, eis que o teste do algodão passa pela superfície da rama e com nada mexe, nada transtorna. Tudo arrefece. As comissões de inquérito, por exclusiva vontade política, são a felicidade dos defensores do politicamente correcto. É preciso aparecer um crápula para lhes entregar alguma dignidade.
A resistência ao choque é um privilégio do motorista dos autocarros das viagens de finalistas. É dele que se espera que, independentemente do que possa acontecer nos bancos, mantenha uma atitude firme e calma. Não tivesse Joe Berardo uma lata épica e proporcional ao tamanho das suas dívidas e Portugal continuaria a ser o motorista do ilustre comendador. Que interessaria a dívida de 962 milhões de euros à CGD, BCP e Novo Banco se Joe Berardo fosse um personagem domesticado, escultural na argumentação e com pose de comendador? Nada. O empresário madeirense cometeu um erro impensável à luz da onda da indignação temporária: mostrou que esteve mesmo sempre a gozar connosco.
Berardo já jogou o seu "joker" dentro do sistema do Estado e rirá novamente quando e se lhe retirarem a condecoração da Ordem do Infante D. Henrique ou qualquer outra. "Eu show Berardo" ou o "Triunfo dos porcos". Sai vencedor o homem que se aproveita da incompetência e conivência do poder político, da poluição dos monopolistas e das negociatas espúrias com o dinheiro dos contribuintes. Fará um brinde à impunidade na companhia e bela vida de Salgado, Bava, Bataglia e Vasconcellos. Entretenhamo-nos, então, a crucificar moralmente o homem que lucrou com tudo isto sem cuidar de punir os que permitiram que empobrecêssemos todos. Está à vista que o arco de poder dos "partidos-negócio" não se importa de, sem vergonha e muito altivo, partir a espinha para dar a ideia de que de nada sabia, nada podia fazer mas que até se importa. O riso de Joe Berardo é plenamente justificado. Já esta indignação política, que finge surpresa, é uma indigente colecção de museu.»
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