«Diz Maria do Céu Machado, que foi presidente do Infarmed e alta comissária da saúde, em entrevista esta semana, que o SNS dispensa ideias radicais. Há nesta frase uma maravilhosa ambiguidade, mas presumo que seja um apelo ao pragmatismo que é necessário para conduzir uma gestão prudente da coisa pública num domínio tão sensível como a saúde. Essa moderação, que só posso elogiar, é tanto mais necessária quanto vivemos num tempo em que os cuidados são tão vulneráveis.
As últimas semanas têm, aliás, abundado em notícias sobre práticas radicais na saúde. No hospital de Vila Franca de Xira, sabe-se agora por via da Entidade Reguladora da Saúde, centenas de doentes terão sido internados em refeitórios e casas de banho ao longo de quatro anos. A administração, indignada, contesta as casas de banho e afirma que só usou refeitórios. O Governo anunciou entretanto que não reconduziria o contrato de gestão estabelecido com o Grupo Mello. No Hospital de Cascais, a Polícia Judiciária conduziu a 20 de maio buscas para averiguar as acusações, por técnicos do próprio hospital, de que haveria manipulação na triagem, de modo a aumentar receita cobrada ao Estado. Na véspera, o Ministério da Saúde decidira uma inspeção. No hospital de Loures, soube-se a 31 de maio que um sindicato de médicos acusava a administração de impor o bloqueio das consultas de seguimento dos utentes desde que não fosse garantido o número de primeiras consultas que maximizasse os proveitos do hospital. Em Braga, o Governo decidiu não renovar o contrato de gestão, dado que a empresa exigira um substancial aumento do pagamento.
O que todos estes casos têm em comum é que são parcerias público-privado. Terminou portanto o tempo em que se argumentava que são exemplos de boa gestão. Agora, com polícia à porta, doentes internados em casas de banho, manipulação das listas, os casos falam por si. E não há um único contrato de PPP que seja exceção.
Foi por isso que 150 personalidades, incluindo Ana Jorge, Daniel Sampaio, Cipriano Justo, Mário Jorge, consideraram que, “porque o atual contexto político é particularmente favorável ao estabelecimento de fronteiras precisas entre os sectores público, privado e social, os subscritores desta Carta dirigem-se ao secretário-geral do PS no sentido de se opor a esta formulação (da lei proposta pelo Governo), propondo que a gestão dos estabelecimentos do SNS seja pública. É que as PPP configuram um inequívoco conflito de interesses entre quem opera no mercado dos cuidados de saúde e gere simultaneamente estabelecimentos do sector público”. É uma resposta sensata à radicalidade que tem vigorado nestes hospitais.»
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