18.6.19

Os silêncios que não queremos ouvir



«A verdadeira exclusão social é feita de silêncio e de invisibilidade.

Um silêncio e uma invisibilidade que crescem numa Europa perdida entre o que foi (e o que sonhou ser) e o que é (e o que jamais virá a ser).

O silêncio e a invisibilidade que se escondem nos bares de alterne ou nas montras dos red district, sob luzes que camuflam destinos demasiado pobres, demasiado frágeis e demasiado sós, onde talvez, em tempos, tenham cabido sonhos, mas onde hoje já só cabe o medo. Destinos forjados no Brasil ou na Nigéria, na Roménia ou na Ucrânia e sustentados em violência, em abuso, em ameaça, ou até, quem sabe, numa promessa de amor.

O silêncio e a invisibilidade dos amanheceres passados nas limpezas dos grandes escritórios e armazéns, depois de o despertador tocar insuportavelmente cedo, chamando para dias que serão sempre longos, porque há mais escritórios e lojas para limpar ao cair da noite, ainda antes de o comboio (ou de o barco) embalar os corpos, num sono cansado, de regresso a casa.

O silêncio e a invisibilidade dos bairros das periferias de Paris, de Bruxelas, de Amesterdão, de Madrid (e de Lisboa, sim, de Lisboa), europeus na geografia e magrebinos ou africanos no pulsar quotidiano, onde as chamadas segundas e terceiras gerações de imigrantes se enchem de nada, arrastando as horas e as vidas, desencontrados entre as suas origens étnicas e religiosas (remotas) e o seu futuro de cidadãos europeus (mais remoto, ainda).

O silêncio e a invisibilidade das casas velhas, habitadas por gente velha, que engana a solidão com os gritos de um televisor permanentemente ligado, no costumeiro desfile diário de infortúnios alheios, enquanto as paredes suspiram por essa remodelação, que as há-de transformar num concorrido apartamento de alojamento local.

Porque a verdadeira exclusão não se mede em subsídios e prestações sociais, nem em estatísticas de intencionalidades variadas. Nem tão-pouco a desigualdade e a injustiça se aferem em contestações e revoltas, mais ou menos mediatizadas.

A exclusão, a verdadeira exclusão, sente-se no silêncio e na invisibilidade em que já se nasce, em que já se morre, e em que tantos vivem, numa Europa presa entre a retórica balofa da tecnocracia e os jargões acéfalos do preconceito fácil.

A exclusão, a verdadeira exclusão, sofre-se no silêncio e na invisibilidade de gente que não é interessante do ponto de vista eleitoral (porque não vota) e, por isso, é esquecida pelos políticos.

O silêncio e a invisibilidade de gente que não é, também, interessante do ponto de vista dos media, porque não tem voz, nem tem rosto e, por isso, não costuma fazer notícia, excepto quando o silêncio se faz grito ou a sombra se faz sangue. E, nesses momentos, logo acorrem todas as carpideiras, todos os profetas da desgraça e todos os messias bem-intencionados, em discursos pungentes e em directo para as câmaras de televisão, devidamente acolitados por várias cabeças em concordantes acenos, prontos a debandar, todos eles, para outras paragens de, igualmente efémera, relevância mediática.

A exclusão, a verdadeira exclusão, que se reveste de silêncio e se cobre de invisibilidade, é desistência, ou desesperança, ou raiva, ou é tudo isto misturado, numa Europa que, velha, abúlica e atordoada, pouco mais faz do que desviar o olhar, ao mesmo tempo que diz, entredentes e para si própria, que para incómodo já lhe basta a vida.»

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