1.6.19

Que Europa é esta?



«Dir-nos-ão que saímos agora mesmo de um ciclo eleitoral. Saímos? Tenho sérias dúvidas. Entrámos no processo eleitoral em tumulto. O Mediterrâneo feito cemitério, a cobardia de enfrentar os problemas reais das vidas reais, o fantasma já pouco disfarçável do discurso do ódio, a divisão feita de mote para campanha. Feitas as contas, aqui continuamos e com sérias dúvidas se daqui saímos. A pergunta essencial continua por responder: que Europa é esta?

As forças políticas ditas tradicionais continuam hoje como ontem à procura do seu destino. Ainda não é possível fazer balanços, mas, mais do que com respostas aos problemas que nos trouxeram aqui, avança-se velozmente com cálculos para as maiorias possíveis. Socialistas e Partido Popular Europeu parecem querer juntar-se a Liberais para isso mesmo. Maioria em número, pouco importa a política que a comporta. Haverá verdadeira disponibilidade para gerar novas políticas? Ou, afinal, trata-se apenas de um cerco à extrema-direita mantendo o conteúdo político essencial intocável? É da vida das pessoas que se vai tratar ou é uma operação de marketing político que está em curso? Aprendeu-se alguma coisa com o Brexit? Haverá mesmo Brexit? Há espaço para a redução de incerteza ou já se desaprendeu de fazer política fora dela?

Em menos de uma semana depois de um ato eleitoral é difícil poder ter grandes análises, mas há alguns sinais e, para já, não são muito animadores. O primeiro "caso" traduziu a pior das evidências. Puigdemont e Comin, deputados eleitos na Catalunha, foram impedidos de entrar no Parlamento para "evitar problemas políticos" com Espanha. 1,025 milhões de pessoas elegeram-nos, mas a presidência em exercício decidiu que deveriam ser preventivamente proibidos de entrar. Independentemente de qualquer opinião legítima que se possa ter a respeito do partido que representam, uma posição desta natureza não é apenas uma violação dos seus direitos políticos, é também uma violação dos direitos políticos dos cidadãos e das cidadãs que os elegeram. Parece, pois, continuar a vigorar a lógica que nos trouxe aqui, seja qual for o marketing a que se recorra. Dividir, pois claro. Aparentemente, ainda não houve espaço para pensar fora da lógica da divisão.

Sempre acreditei que há espaço para a união dentro da União. Mas creio, sinceramente, que uma União só poderá basear-se no respeito, na dignidade e nos direitos. Em política e não em marketing. São vidas distintas que serão representadas dentro de quatro paredes. São direitos que têm sido negados e merecem o reconhecimento devido. É a dignidade de todos nós e do próprio projeto comum que está em causa. É um futuro que está por construir e cujas bases têm ainda de construir-se. Passaram poucos dias. Precisaremos de mais alguns para perceber se há espaço para a união dentro da União. O recomeço não foi auspicioso.»

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