24.7.19

As grandes carreiras políticas já não dependem dos eleitores



«Christine Lagarde foi nomeada presidente do Banco Central Europeu e é preciso substituí-la no FMI. As transferências de verão estão ao rubro e o nosso Ronaldo das Finanças está na shortlist. Alguém confirmou que é provável que seja escolhido a Marques Mendes. Portugal, que se começa a especializar na exportação de burocratas, antecipa mais um momento de êxtase. Depois de Barroso e Guterres, com os enormes ganhos que todos sabemos terem representado para o país, podemos ter mais um dos nossos a brilhar lá fora. O nosso espírito de emigrante vibra com isto. Por mim, torço por Centeno em Washington. Não me parece que por lá possa fazer grandes cativações. Mas quem ache que ganharemos muito com uma possível nomeação deve fazer um balanço sério da passagem de Centeno pela presidência do Eurogrupo.

Não deixa é de ser curioso que uma organização tão ortodoxa como o Fundo Monetário Internacional pense em escolher Mário Centeno, ministro das Finanças de um Governo supostamente socialista. Ou houve uma revolução no FMI ou isto diz alguma coisa sobre o que tem sido a gestão financeira do nosso ministro.

Longe vão os tempos em que a grande ambição de um ministro das Finanças era chegar a primeiro-ministro e a de um primeiro-ministro era chegar a Presidente da República. Isso é tão século XX. Hoje, uns e outros sonham com cargos internacionais. Daqueles onde realmente se manda, os eleitores não chateiam e ainda por cima se ganha bem. O que quer dizer que as grandes carreiras políticas já não se fazem com os olhos na democracia e no povo, fazem-se com os olhos numa classe global de burocratas sem nação, quase sempre amigos dos únicos poderes globais que sobrevivem: os económicos. Sobretudo os ministros das Finanças, que concentram um poder absurdo nos governos. Escolhidos entre tecnocratas, estão muitas vezes acima dos primeiros-ministros que os cidadãos conhecem e em quem, de alguma forma, votaram.

Isto é bastante perverso. Porque quer dizer que quem governa já não o faz a pensar nos governados. Se tivessem ambições nacionais era isso mesmo que teriam de fazer. Esta nova estirpe de políticos governa para agradar as organizações internacionais, dominadas pelos Estados mais poderosos. E a lógica é tão perversa que já conseguimos convencer os eleitores de que um bom ministro das Finanças é o que nos trata mal para ter a simpatia externa. E é isso que explica que, em países periféricos como Portugal, os ministros das Finanças se tenham transformado em embaixadores das instituições europeias no Governo e não o oposto. Conhecemos as consequências: um défice muito aquém das metas que nos foram exigidas pela Europa. O país não precisa, mas o currículo técnico de Centeno sim.»

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