«A 15 de maio, seis políticos desconhecidos de quase todos os europeus confrontaram-se num debate. Nico Cué, do Partido da Esquerda Europeia, Ska Keller, do Partido Verde Europeu, Jan Zahradil, da Aliança dos Conservadores e Reformistas da Europa, Margrethe Vestager, da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa, Manfred Weber, do Partido Popular Europeu, e Frans Timmermans, do Partido Socialista Europeu. Todos eles eram candidatos a presidente da Comissão Europeia e aquele debate servia para decidirmos o nosso voto. Três dados importantes: nem os seus partidos são realmente partidos, nem eles eram realmente candidatos, nem o nosso voto tinha alguma coisa a ver com o assunto. Esta é a beleza da democracia europeia: nada é o que realmente diz ser porque, bem vistas as coisas, nem a democracia europeia é realmente democrática nem é realmente europeia. O fascínio deste jogo que entusiasma algumas elites políticas e mediáticas é fazer as coisas sem nunca realmente o serem. Por saber que se disser que não o são perde a sua legitimidade e por saber que se o forem perde a sua exequibilidade.
Quem venceu o debate? Não sei, porque, descrente me confesso, não o vi. Mas sei quem ganhou a eleição: Ursula von der Leyen, que nem sequer lá foi. Porque o debate nem chegou a ser uma charada para enganar papalvos. Tudo isto é, como eram as democracias parlamentares do século XIX, dirigido a um pequeno grupo de aristocratas e burocratas que faz da política o seu divertimento ou função. Ursula von der Leyen foi escolhida pela mesma razão porque foram escolhidos Juncker e Barroso: faltarem-lhe todas as qualidades para ser líder. Só assim os que a escolheram podem continuar a dirigir este teatro de sombras. Nele, todos brincam à democracia e, no fim, quando acaba a encenação, o Presidente francês e a chanceler alemã decidem. Esses, justiça lhes seja feita, não fingem nada. São os únicos verdadeiros democratas nesta história: respondem à vontade dos seus eleitores. Não lhes chamamos nacionalistas porque eles precisam da União como extensão do poder nacional. São mais ambiciosos do que Orbán e Salvini, que apenas lhes condicionam os passos. Neste caso, até condicionaram bastante.
António Costa, que durante a campanha andou a brincar às alianças políticas, fingindo que as famílias ideológicas se sobrepunham ao jogo entre potências, quase ocupou um cargo europeu que recusou e quase conseguiu eleger um socialista para liderar a Comissão. E deixou um aviso: a Alemanha e a França não devem subavaliar a importância dos deputados. Repare-se que não falou dos eleitores que elegeram aqueles deputados. Para esses, Von der Leyen é tão legítima como Timmermans, Vestager ou Weber. São apenas nomes. Ninguém fora de Bruxelas se revoltará com a troca. No fim, temos duas consolações. A primeira é ver Christine Lagarde passar do FMI para o BCE. Sabemos que mostrou, depois de esmagar países em crise com doses cavalares de austeridade e juros de assalto, sincero arrependimento. O arrependimento é importante em qualquer religião e o europeísmo não foge à regra. E Lagarde não é Weidmann, o candidato alemão que estava na calha. A segunda é perceber que os Estados periféricos ainda têm algum poder. Espanha, por exemplo, conseguiu impedir que três eurodeputados catalães tomassem posse. Ao contrário de tantos que são acusados de crimes graves. Como não amar a “democracia europeia”?»
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