«Assistimos esta semana a uma discussão vazia sobre o "estado da nação", quando tanto precisamos de análises sérias sobre os problemas muito concretos que marcam a vida dos portugueses e portuguesas e de propostas simples para a sua resolução. Diz-se que este tipo de discussão é natural em período de campanha eleitoral. Digo não a esse argumento. Primeiro, porque todos os debates regulares sobre a situação do país devem ser rigorosos. Segundo, a campanha eleitoral para as eleições de outubro não deve ser vazia de respostas objetivas, pois isso esvaziará a democracia e afastará as pessoas do ato do dever de votar.
Os portugueses não precisam de um concurso entre partidos sobre a melhor propaganda para vender a promessa de "mais investimento público" ou de "descer impostos". Precisamos sim de garantias reais para fazer chegar os recursos disponíveis aonde eles são necessários e têm de ser investidos - não basta o compromisso de colocar verbas nos orçamentos do Estado. Na questão fiscal, o que interessa mesmo é saber-se com rigor três coisas: i) as receitas que o país pode ter e de que precisa, à luz da sua capacidade económica e financeira e dos serviços que o Estado deverá garantir às pessoas; ii) conhecer-se as medidas que vão impedir a fuga fiscal; iii) garantir que a carga fiscal seja distribuída com mais justiça e aplicar o princípio mais solidário de todos, que é, cada cidadão pagar em cada ano os impostos correspondentes à riqueza adquirida nesse ano.
Precisamos que se abandone a lengalenga das reformas estruturais, que ao longo dos anos tem servido para cavar injustiças e aumentar a exploração, para aprofundar o enredo da financeirização da economia e para atrasar resoluções de problemas. Os partidos devem apresentar políticas estratégicas para o desenvolvimento da sociedade, acompanhadas de respostas às realidades do presente contínuo, base fundamental na construção do futuro. Por exemplo, a Direita tenta instalar na sociedade a ideia de que os serviços públicos estão em situação de caos com o intuito de oferecer grandes negócios a interesses privados. Instalada tal conceção, tornar-se-ia inviável adotar mudanças positivas na gestão e organização dos serviços, na responsabilização e capacitação dos trabalhadores da Administração Pública. Mas esta batalha só será ganha se o Governo abandonar o confronto de posições assente no mero esgrimir de estatísticas e leituras generalistas, e tratar mesmo de recrutar e formar trabalhadores em áreas de carência evidente, se investir em equipamentos, se propiciar condições para uma gestão dinâmica e feita em tempo útil.
No plano laboral colocam-se desafios muito simples que à partida nenhum "parceiro social" põe em causa. Deixo três exemplos: i) inscrever na lei que não pode haver caducidade unilateral de contratos coletivos de trabalho e criar os mecanismos que assegurem tal princípio; ii) impor o respeito pela hierarquia das leis e regulações, ou seja, um regulamento ou acordo numa empresa não pode ferir princípios estabelecidos ao nível de um setor e a legislação e acordos neste plano não podem pôr em causa normas e princípios inscritos nas leis nacionais; iii) dar um forte impulso à valorização do salário mínimo nacional.»
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