«A franqueza é uma virtude. Na política é-o ainda mais, porque contrasta com o que é dominante: a língua-de-pau da híper-prudência e a farronca do “agarrem-me senão eu vou-me a ele” encenada para prime time televisivo. Dizer sem subterfúgios ao que se vem, mostrar com clareza os propósitos – eis uma qualidade rara em política, que merece ser elogiada. Dou aqui três exemplos que cumpre enaltecer.
António Costa, em almoço no Hotel Ritz com empresários, explicou com clareza a sua proposta para o país. Nada de subida de salários “que afete a competitividade das empresas e a estabilidade macroeconómica em Portugal”. É um bocadinho língua-de-pau, bem sei, mas não há quem não perceba que estava a dizer “não haverá aumentos salariais contra a vossa vontade, queridos empresários”. E, não fosse ser mal compreendido, ainda reforçou mais a nota da franqueza: “Temos de fazer todos uma coligação para podermos em conjunto contribuir para melhorar o nível de rendimento”. Eis uma má notícia para quem se preocupa em perscrutar cenários de arranjos partidários futuros – é com o patronato que António Costa quer mesmo fazer uma coligação. Franqueza maior era difícil.
Segundo exemplo. Carlos Pereira, vice-presidente do grupo parlamentar do Partido Socialista, usou da franqueza máxima na intervenção do seu partido na última sessão parlamentar desta legislatura. Disse ele: “O que precisamos mesmo é podermos governar sem empecilhos”. Ocorreu-me até que António Costa – que, referindo-se à articulação com os partidos de esquerda, tinha dito “a porta que abri não a vou agora fechar” – tivesse ficado embaraçado com a tirada do seu vice-presidente. Mas isto é defeito meu, que não estou habituado a tanta franqueza. Porque, na verdade, Costa e Pereira estão ambos a ser francos: António Costa não precisa de se dar ao trabalho de fechar, porque há quem feche por ele.
Terceiro exemplo. No tal almoço de empresários com António Costa, o empresário anfitrião disse o que lhe ia na alma: “Tudo indica que o seu partido vai ganhar as próximas eleições, consta que provavelmente por maioria absoluta, só posso dizer que se for bom para Portugal desejo que o senhor ganhe.” Os patrões são francos: para eles, a maioria absoluta é boa. Por isso, toca a apelar à dita, mostrando gratidão e confiança a quem não os quis incomodar com alterações das leis laborais e a quem não os quer incomodar com aumentos salariais.
Tudo franco, tudo virtuoso. Na verdade, é essa franqueza virtuosa que os une – os três querem mesmo é ver-se livres da esquerda, esse empecilho.»
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