«Há tentações que são perigosas para a humanidade, uma delas é a de tentar resolver as ameaças existentes por tentar esquecê-las ou por reduzi-las no mapa. Nos dias que correm, mastiga-se um assunto até não poder mais e, depois, quando fica mais longe da vista é como se desaparecesse. Podia falar da Venezuela, da Amazónia, etc., mas refiro-me neste caso ao ISIS, o autoproclamado Estado Islâmico, sobre o qual na União Europeia não têm faltado análises acerca do seu recuo, ignorando que estas forças estão a organizar-se e a ganhar forma em outras regiões do mundo. Os anúncios sobre a sua quase morte são, por isso, claramente exagerados.
É verdade, sim, que o ISIS perdeu terreno na Síria, contudo, uma leitura mais atenta da realidade mostra que estamos longe de poder fazer afirmações tão taxativas. O Iémen por razões várias nunca entrou nos nossos corações. Com honrosas exceções de magnífico trabalho jornalístico também feito por portugueses, para a generalidade do mundo, o Iémen é uma espécie de não guerra, de não genocídio, de não tragédia. É como se aquelas vidas valessem menos. Pois é, o Iémen e as suas tragédias continuam a existir e, depois de mais de um ano inativo, o ISIS reapareceu, e foram cinco os ataques reivindicados só em agosto deste ano. A situação no Iémen é complexa, já sabemos, mas não podemos ignorar que é no meio dessa complexidade que se vai revigorando a ameaça terrorista novamente no Médio Oriente.
É verdade, também, que a organização terrorista deslocou muita da sua força para o Sudeste Asiático. Ainda no dia 4 deste mês, o antigo presidente das Maldivas Mohamed Nasheed chamou a atenção para o facto de o ISIS estar a construir um Estado profundo, ocupando posições estratégicas nas instituições de segurança do país. Segundo o ex-presidente, controlam já posições na polícia, nas forças militares, na educação, nas migrações. Pôr fim ao ISIS é, segundo ele, o maior desafio da região do oceano Índico. Também no início deste mês o primeiro-ministro do Sri Lanka expressou preocupações semelhantes. Está ainda nas nossas memórias o horrífico ataque terrorista, que no Domingo de Páscoa matou 258 pessoas e feriu mais de 500. Nas Filipinas, igualmente nesta semana, iniciaram-se atividades de monitorização sobre o ISIS. Mas há um continente, quase sempre esquecido, onde essa força tem sido menos visível. Em África, o ISIS não parou ainda de se expandir. Mauritânia, Mali, Nigéria, Burkina Faso e Chade tiveram de organizar-se em conjunto para combater o terrorismo perpetrado pelo ISIS e pela Al-Qaeda. Ainda no dia 1 de setembro, um ataque terrorista matou 62 pessoas no norte do Burkina Faso.
O ISIS pode até ter perdido o seu califado, mas continua vivo e a alargar a sua influência. Basta ler notícias de uma semana. Olhar apenas para o umbigo nunca foi prática aconselhada, apagar factos também não. Ou só conta quando é cá dentro?»
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