«Todas as crianças e jovens têm o dever de ir à escola. E que deveres tem a escola para com eles? O tom em que o PSD e o CDS se pronunciaram sobre educação no debate quinzenal com o Governo sugere que pouco ou nenhum.
Para quem assim pensa há um problema no fim de cada ano letivo quando um aluno não atingiu os objetivos definidos. Mas não têm razão, a retenção é a má resposta que damos a um problema que se forma desde o primeiro dia de aulas, quando uma escola desiste de educar alguns dos seus alunos ou os entrega ao exterior, aos centros de explicações e aos pais, para que compensem essa sua desistência, se tiverem capital social e dinheiro para isso.
Há mesmo quem tenha intelectualizado a ausência de deveres da escola e ache que quando os níveis de retenção descem é porque se instala o "facilitismo", termo inventado por uma corrente de opinião que - como no fantasma que CDS e PSD brandiram - pensa que sempre que melhoram os resultados escolares dos alunos é porque a exigência baixou. Mesmo sabendo que os factos dizem que os alunos portugueses estão a subir nos rankings internacionais de competências adquiridas.
A visão neoelitista que tem muita ressonância na direita (e em alguma esquerda) portuguesa é, no entanto, muito ignorante sobre o que é hoje a educação e para que serve no mundo do século XXI. A escola ocupa um papel nas sociedades modernas que lhe cria um dever especial de preparar todos os seus alunos para viverem numa sociedade complexa, que exige a todos elevado nível de competências, em mudança permanente e que requer uma abertura ao mundo que lhes permita não serem excluídos para a vida logo nos primeiros anos da sua existência. Aqueles que a escola excluir agora muito provavelmente estão lançados numa vida de pobreza e falta de oportunidades. E a escola é responsável por evitar que isso aconteça, porque não pode ser mais um braço da fábrica de desigualdades, tem que ser um instrumento de uma sociedade inclusiva.
A transição da escola irresponsável para escola responsável pelos seus alunos é difícil. Para que a retenção deixe de existir porque a escola é eficaz, muita coisa tem que mudar. Os orçamentos de funcionamento têm que subir. Os quadros de pessoal especializado têm que ser diversificados e adequados ao meio social em que cada escola atua. Tem que haver dentro de cada escola (neste artigo chamo sempre escola aos agrupamentos escolares) poder, competência e recursos para tomar as decisões necessárias no tempo certo. E tudo isto, não ao nível de projetos-piloto ou ações limitadas, mas em todo o território nacional e como prática normal de todo o sistema educativo.
Os governos - alguns deles - bem, têm procurado ter atenção a estas carências e muitos municípios, melhor ainda, têm assumido responsabilidades que permitem criar escolas exemplares. Mas estamos longe de ter atingido o patamar de excelência que necessitamos neste domínio e é muito saudável que o Governo tenha agora a ambição de o atingir.
Os amantes da educação têm um desafio enorme pela frente para criar uma escola responsável pelos seus alunos. E sabem que não é ela que cria a maior parte dos problemas que levam atualmente à retenção, recebe-os da nossa enorme desigualdade social e da segregação espacial. Por vezes, não os consegue mitigar, desiste. Muitas outras vezes consegue e quando consegue põe em funcionamento comunidades educativas inclusivas, que têm muitos protagonistas, mas que passam inevitavelmente por dois perfis da maior importância, a direção e os professores, os maestros e os solistas desta orquestra.
Na minha experiência como sociólogo e como pai já vi escolas prosperar e definhar pelo dinamismo e pela decadência da sua direção. Mas todas as que vi ter sucesso dependeram de um trabalho intenso de professores que acreditam na educação, procuram atualizar-se permanentemente, se dedicam aos seus alunos, têm enorme consciência das suas dificuldades e se mobilizam por eles.
Esse trabalho, infelizmente, não tem sido reconhecido social, política nem salarialmente. Com frequência excessiva tratam-se os professores como se fossem um grupo de gente que se sobrevaloriza, trabalha pouco e tem uma profissão fácil. Nada mais errado. Sem repor uma relação saudável do governo com os professores e sem atuar firmemente na promoção do respeito e dignidade da sua função, sou cético quanto a que se atinjam os resultados pretendidos.
Aos que pensam sobre a escola como Rui Rio faria bem tentarem ser professores, não digo um ano letivo, só um mês.»
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