17.11.19

A Espanha aqui tão perto



«É tentador olhar para o processo político espanhol e pensar que ele é de tal forma diferente do português que o fracasso coletivo que vislumbramos para lá da fronteira não chegará cá. Tentador, mas, também, equívoco.

É óbvio que não temos uma questão nacional e que a nossa natureza periférica nos tem protegido das vagas imigratórias que perturbam grande parte das democracias europeias. Acima de tudo, não devemos desvalorizar a forma como a nossa transição para a democracia promoveu uma rutura com o legado autoritário do Estado Novo, garantindo uma censura moral que nos foi protegendo face à emergência de partidos de extrema-direita com expressão significativa. De certa forma, no caso espanhol, a transição democrática negociada viabilizou muitos elementos de continuidade entre regimes, designadamente nos corpos especiais do Estado. Sintomaticamente, o PP — ao contrário do PSD — sempre teve sectores assumidamente iliberais e, agora, é com naturalidade que o Vox cresce, resgatando o saudosismo do franquismo. É mesmo um daqueles casos em que continuamos a beneficiar do 25 de Abril como revolução social.

Se há fatores que nos protegem, não devemos, contudo, sobrevalorizá-los. Em Portugal como em Espanha, há um descontentamento latente com as instituições do regime que, mais cedo ou mais tarde, se manifesta politicamente. A fragmentação parlamentar — adornada pelo episódio lamentável que foi a possibilidade de inviabilizar a participação no debate quinzenal dos novos/pequenos partidos — é apenas um sintoma relevante desse descontentamento. Que tenderá a crescer agora que se combinam condições objetivas e subjetivas (há protagonistas para refundar o sistema partidário, credibilizados pela sua participação no Parlamento).

A questão é particularmente sensível à direita, onde os partidos tradicionais e o espaço de moderação estão objetivamente ameaçados. Depois das eleições de 2015, a possibilidade de PS ou PSD governarem passou a estar dependente da capacidade de liderar uma maioria no respetivo bloco político. Se à esquerda há reais limites para o entendimento programático (mas nenhuma tendência séria de crescimento do PCP ou do BE à custa do PS), à direita o desafio é saber como se forma uma maioria, contendo as perdas de PSD e CDS para o Chega. E aí o risco de mimetizar Espanha é real.

Em Espanha, foi determinante para a ascensão do Vox o seu reconhecimento, pelo PP e pelos Ciudadanos, como parceiro para compromissos. Em Portugal, PSD e CDS terão de resistir à mesma tentação. Por paradoxal que possa parecer, essa capacidade dependerá também da responsabilidade do conjunto dos partidos democráticos. Só assim se garantirá que a serpente não sai do ovo em que, apesar de tudo, se mantém.»

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