12.11.19

Sem liderança, a Espanha pode vir a ter de escolher entre a desintegração e os fascistas



«Os resultados das eleições espanholas deste domingo não denunciam grandes transferências entre blocos políticos. O Podemos cai ligeiramente mas os seus votos parecem ter ido para o Más País, a sua cisão moderada liderada por Íñigo Errejón. O PSOE aguenta-se praticamente na mesma, o que quer dizer que a dramatização que andou a fazer para tentar conquistar voto útil à esquerda não teve outro efeito que não fosse o voto útil do centro-direita no PP e o crescimento do VOX. O PP cresceu à custa do descalabro do Ciudadanos. E o VOX foi o grande vitorioso da noite – acompanhado pelo crescimento dos nacionalistas de outras regiões –, passando para terceira força, chegando aos 15% e dobrando o número de deputados. Deverá ter ido buscar votos a todo o resto da direita.

No que toca à possibilidade de formar governo, ficou tudo mais ou menos na mesma. PSOE, Podemos e agora o Más País continuam a ter mais deputados do que PP, Ciudadanos e Vox. O PSOE continua a ser o mais votado. Mas continua a ser impossível formar governo sem partidos regionais. Na realidade, foi nisto que tudo se complicou: são precisos mais deputados fora do bloco nacional à esquerda do que antes. O impasse é exatamente o mesmo. A estratégia de tentar dramatizar a instabilidade foi um erro grave de Pedro Sánchez. De uma eleição para a outra o impasse só foi aumentando.

Mas o maior erro foi outro. Pedro Sánchez deveria ter sido mais José Luis Zapatero e menos Felipe González. Deveria ter contribuído, através da busca de uma solução negociada e uma proposta federal para Espanha, para deitar água fria sobre o conflito catalão. Era, aliás, a sua posição inicial. Preferiu seguir o caminho oposto, tentando competir com o PP na agressividade do seu discurso e alimentando, um e outro, o crescimento exponencial da extrema-direita nacionalista espanhola, que ainda há poucos anos era marginal, o que torna um acordo com os catalães ainda mais difícil. Quando um presidente de um governo de Espanha vai à Catalunha para visitar polícias e não para falar com os líderes eleitos da região sublinha que não procura qualquer solução. O resultado é que, a cada dia que passa, Madrid e Barcelona estão mais distantes da possibilidade de ter sequer uma conversa. E isso só reforçará a posição do VOX, que tem como única “solução” ilegalizar, prender e reprimir, até que Espanha fique a ferro e fogo, que é como a extrema-direita gosta de ver as coisas para justificar as suas propostas de restrição das liberdades cívicas e democráticas.

O impasse em que a Espanha se encontra, seja na possibilidade de formar um governo estável, seja na possibilidade de encontrar uma saída política para a crise constitucional – e uma coisa resulta da outra –, tem um responsável primeiro: Pedro Sánchez. Foi na sua mão que esteve, no último ano e meio, a saída para o problema. Quer nas possibilidade de encontrar uma solução política com o Podemos, quer na possibilidade de construir um roteiro para uma solução para a Catalunha e para o resto de Espanha. Era ele que tinha as chaves na mão. Sánchez pode ter-se salvo este domingo, mas tudo ficou ainda mais difícil para si e para Espanha. E uma coisa é certa: ou Espanha tem uma liderança política inteligente e realista, capaz de lidar com a questão das nacionalidades com bom senso e diálogo, ou terá de escolher entre a desintegração e os fascistas. Ou até ficar com as duas coisas.»

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