«Engalanado pela ideia do lucro proveniente da perspectiva do único excedente orçamental em democracia, o primeiro Orçamento do Estado (OE) pós-geringonça é pouco mais do que um processo de intenções.
À excepção do reforço da dotação na saúde (a boa aposta que permite ao Governo enrolar a língua para puxar dos galões), este OE é um simulacro de melhores dias.
Com um par de piscadelas de olho à Esquerda e com o conservadorismo que não permite à Direita afiar as garras, António Costa pretende fazer-nos confundir músculos com tendões. Com margem para muito mais, esta é uma proposta de Orçamento sem força, mapa de balanço e contas de quem dobrou a espinha e, estranhamente, não se quer endireitar. Dá sinal de um país intermitente, refém do passado da troika que vai obsessivamente a inventário. É a desilusão esperada.
Provavelmente, foi também para isto que António Costa preferiu navegar à vista sem acordos parlamentares: para não ter que se comprometer com nenhum deles e não ter de acolher qualquer proposta das que, nas últimas semanas, lhe foram submetidas pelos partidos de oposição. No domínio da negociação em especialidade, competirá ao Governo repensar se, num quadro macroeconómico favorável e com contas públicas serenas e estáveis, não vai mesmo querer aprofundar a trajectória de devolução de rendimentos. Aparentemente, com um escasso investimento nos serviços públicos e na habitação, prefere apostar numa ilusão com promessa de aumento de impostos sobre a irresponsabilidade consumista, não respondendo às assimetrias e desigualdades do país em questões - tão relevantes - como a revisão dos escalões de IRS, a descida do IVA da energia, a resposta aos trabalhadores por turnos, a contratação de trabalhadores para os serviços públicos ou o aumento das pensões.
O Governo entende que pode fazer todo o caminho a sós, refastelado numa proverbial prosápia de retoma. Já o PS, com altivez de quem não se sujeita a núpcias, parece mais preocupado em potenciar uma maioria absoluta do que em desenvolver pontes da governação a quatro anos para a qual António Costa dizia estar preparado. Mas não negociando (e, em abono da verdade, não simulando que negoceia), nada mais faz do que oferecer uma pálida imagem à primeira impressão, permitindo margem de crescimento à Oposição que foi o suporte da estabilidade política que esteve na base do processo de recuperação económica do país nos últimos quatro anos, acentuando os desequilíbrios que lhe permitirão - num dia anónimo na legislatura - agitar as águas num contexto de uma crise política a que chamarão de sabotagem.»
.
0 comments:
Enviar um comentário