«À hora que concluo este texto acaba de ser entregue a proposta de Orçamento do Estado de 2020 (OE 2020). Contudo, alguns elementos da proposta do Governo já eram conhecidos.
Foco-me aqui num aspecto particular. O OE 2020 apresentará um zero preto, isto é, prevê um saldo orçamental de +0,2% do PIB, a primeira vez, nas últimas décadas, que um Governo prevê um ligeiro excedente orçamental.
O zero preto (i.e., saldo orçamental positivo, mas próximo de zero), como lhe chama Peter Bofinger, antigo membro do conselho dos sábios da Alemanha, apesar de irracional, deixa contentes muitos portugueses, estou certo.
A passagem do zero vermelho (saldo orçamental negativo, mas próximo de zero) para o zero preto pode ser confundida como um período de transição de eras, de início de um novo ciclo económico.
Contudo, já é há muito evidente que o OE 2020 não iniciará um novo ciclo económico. O zero preto é um número demasiado parecido com o zero vermelho, ou seja, registar um ligeiro excedente ou um ligeiro défice é irrelevante, mas a despesa pública adicional faria muita diferença.
O Governo sinalizou que pretende que o OE 2020 resulte numa melhoria do saldo orçamental, i.e., na prática e na realidade, o Governo pretende continuar a “apertar o cinto”. Mesmo que esse “apertar do cinto” seja e se sinta diferente dos cortes de despesa indiscriminados de outros tempos.
O facto é que, no presente, a trajectória de redução do peso da dívida no PIB de Portugal é muito acentuada, representando quase 5 pontos percentuais do PIB por ano. Muito acima do que impõe a regra europeia de redução da dívida, que só obriga a uma redução de, previsivelmente, 2,9 p.p. do PIB em 2020.
Por conseguinte, não, o OE 2020 infelizmente não inicia um novo ciclo económico, apenas atravessa a barreira do zero preto que acredito já terá sido ultrapassada na execução orçamental de 2019.
E um dos problemas desta estratégia de política orçamental é que traduz a política do nunca é suficiente, do subir sempre as fasquias, só para cumprir uma meta nominal sem sentido algum.
Por conseguinte, o zero preto do OE 2020 não é verdadeiramente preto (positivo) para o país!
P.S.: Muito se tem falado no efeito das cativações, mas há muitas outras dificuldades na execução dos Orçamentos do Estado por parte das Administrações Públicas. Uma delas é a Lei dos Compromissos, de 21 de Fevereiro de 2012, que tende a contribuir para tornar a gestão das Administrações Públicas e a gestão de projectos de investimento público numa corrida de sucessivos obstáculos intransponíveis. De forma simplificada, limita a assunção de novos compromissos financeiros aos fundos disponíveis a uma janela móvel de três meses. Em resultado, as entidades do sector público têm muita dificuldade em assumir compromissos de maior dimensão porque a despesa prevista ao longo de vários meses tem de ser coberta por fundos existentes ou receitas previstas num período móvel de três meses. De acordo com o PÚBLICO, com o OE 2020 os hospitais-empresa passam a implementar a lei dos compromissos numa janela móvel de seis meses, o que permite aumentar a receita prevista e assim assegurar que a assunção de novos compromissos de despesa não é recorrentemente travada por esta lei. É quase caso para dizer … Aleluia!
Em suma, cativações, lei dos compromissos e outras medidas introduzidas em diferentes leis para travar a despesa pública em anos recentes devem ser revisitadas, não para facilitar a despesa pública mas para tornar as administrações públicas mais eficientes e mais céleres e para minimizar o custo dessa despesa.»
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