«Desde Outubro, sabemos que, depois da inédita aliança à esquerda que foi a “geringonça”, o PS tinha um caleidoscópio de possibilidades para conseguir aprovar o seu Orçamento. Conforme os pequenos pedaços de vidro se conjugassem, poderia ser mais vermelho, mais verde ou mesmo mais laranja, não estivesse o principal partido da oposição impedido de participar na discussão por estar envolvido no processo eleitoral de escolha do seu líder.
No ponto em que estamos, talvez venha a ser rosa pálido. Um Orçamento socialista, diluído no branco da abstenção dos seus parceiros à esquerda. Sempre pálido, para quem acreditava que o “projecto” da “geringonça” tinha capacidade para prosseguir além da vitória do PS nas eleições legislativas. Umas tantas concessões na discussão da especialidade para garantir um encolher de ombros dos antigos parceiros na votação final. É quanto basta.
Apesar de tudo, não terá o vermelho de sinal de alerta por sacrificar as contas certas, pensarão outros. Num processo de aproximação sempre complicado, por PS, PCP e Bloco terem visões diferentes para a sociedade e, muito especialmente, para a economia, o espaço de compromisso, sem a disponibilidade para as cedências mútuas com que se constroem projectos comuns, tem sido obtido graças ao abrir dos cordões à bolsa. Prosseguir num segundo mandato esta política era ultrapassar em muito as reversões para entrar numa zona perigosa onde, definitivamente, os socialistas não querem estar.
À esquerda dos socialistas, com ousadias como a do superavit, o caminho do apoio começa a ser cada vez mais estreito. Mas ainda é cedo para uma ruptura definitiva que, antes do tempo certo, não deixaria de ser avaliada negativamente pelo eleitor flutuante de esquerda. Coube, mais uma vez, ao PCP voltar a definir o modo, até porque claramente são os comunistas os parceiros favoritos de Costa.
Catarina Martins ainda tentou, no sábado passado, fazer desta a semana essencial para determinar o sentido do seu voto, mas do outro lado não veio a resposta pretendida. O PCP, anunciando já a abstenção e atirando para a discussão da especialidade a possibilidade de um voto favorável, acaba por condicionar o BE. Havendo margem para algumas concessões, para mais uma vez pelo menos abrir os cordões à bolsa, como poderão os bloquistas assumir sozinhos os ónus de votar ao lado da direita?
Alguns jogos políticos e muito pouca paixão. É o que resta da “geringonça”.»
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