5.3.20

O que não é Bernie será o que não é Trump para ser o que não é Presidente?



«A desistência de Amy Klobuchar e Pete Buttigieg, nas vésperas da super terça-feira, depois da vitória folgada de Joe Biden nas primárias da Carolina do Sul, fez o ex-vice-presidente ressuscitar como único candidato centrista capaz de enfrentar Bernie Sanders. O voto em Biden foi, para muitos eleitores democratas que esta terça-feira falaram com os jornalistas, um voto no centrista que restava na corrida. Nem contrariado nem entusiasmado.

Umas horas antes de se conhecerem os primeiros votos, o “New York Times” considerava muito provável que Biden vencesse no Alabama, Arkansas, Carolina do Norte, Oklahoma, Tennessee e Virgínia. Que Bernie vencesse na Califórnia (tendo passado a ser, depois da desistência de dois candidatos do centro e a permanência de Warren, improvável que conseguisse a totalidade dos delegados, por mais ninguém ultrapassar os 15%), Colorado, Utah e o seu estado, o Vermont. Estavam em disputa Maine, Massachusetts, Minnesota e Texas (que o apoio de última hora de Beto O’Rourke a Biden pode ter desequilibrado). Todas as vitórias de um e de outro se confirmaram (sendo a mais relevante em delegados, de longe, a Califórnia). E dos estados que estavam em dúvida, Biden ganhou tudo, apesar disso ter acontecido, em geral, por margens pequenas, sobretudo no Texas e Maine. Sanders teve o pior resultado dentro dos resultados que foram previstos.

Bernie Sanders continua na corrida. A vantagem de Biden em delegados não chega a ser esmagadora. Quando escrevo ainda se distribuem alguns, mas está próximo dos 60. Está tudo longe de estar fechado, mas Bernie perdeu o momento. Determinante para a vitória de Joe Biden na Carolina do Sul e em vários dos estados que ontem votaram foram os eleitores negros, sobretudo os mais velhos – enquanto latinos e jovens votaram em Bernie. De certa forma, esse voto não é bem de Joe Biden. É voto de Obama que se transfere para ele por associação. Elizabeth Warren ficou em terceiro lugar no seu próprio estado. Se verá se faz o que devia ter feito anteontem: desistir para o candidato mais bem colocado do campo progressista. Não foi esse o sinal que deu ontem, o que é surpreendente tendo em conta a dimensão da sua derrota e os efeitos que a sua permanência tem.

Para além de todas as diferenças políticas entre Joe Biden e Bernie Sanders, há uma fundamental: a capacidade de Bernie Sanders mobilizar uma campanha resulta de uma adesão a si, ao seu discurso e às suas propostas, não de uma recusa de Donald Trump, a um mal menor ou a uma simpatia difusa. E isso é fundamental para estas eleições. Porque não há uma luta pelos moderados no confronto com Donald Trump. Os moderados que detestam Trump votarão contra Trump. Aliás, Bernie tem, dizem todos os dados em cada uma das primárias abertas, mais simpatia de eleitores independentes e republicanos do que Joe Biden. A luta contra Trump é a uma luta pela mobilização. E não vejo pior característica do que ser o que restou para vencer Bernie.

A verdade é que o mainstream do Partido Democrata, que se virou para Biden, depois para Buttigieg, depois para Bloomberg e finalmente de novo para Biden, uniu-se em torno de um sobrevivente, não de um candidato. Segundo as sondagens à boca da urna, grande parte dos eleitores decidiu o seu voto nos últimos dias. Ao contrário do voto em Sanders, o voto do centro foi um voto no que restava. No entanto, Bernie Sanders não conseguiu resistir às desistências centristas, que deram ânimo a Biden. Joe Biden sai desta terça-noite reforçado e Bernie Sanders em pior forma. Como aconteceu há quatro anos, a cúpula do partido e a comunicação social que lhe está próxima farão neste campanha o que fizeram até aqui, agora com um candidato claro para apoiar. Aposto as minhas fichas numa nomeação de Joe Biden.

Se Biden for o candidato democrata não é difícil antever o que serão as eleições. Iguais às últimas. A receita é a mesma, os eleitores são os mesmos, os ignorados são os mesmos, os frustrados continuarão os mesmos. Os democratas preferem continuar a representar o que cada vez mais norte-americanos sentem ser o “sistema” e isso pode determinar, mais uma vez, a sua derrota. Não chega não ser Trump para vencer. Não chegou em 2016, não deve chegar em 2020. Se a grande qualidade de Biden nas primárias é não ser Bernie e a grande qualidade nas eleições for não ser Trump, o seu provável defeito será o de não ser presidente. Porque, limitando a não ser aquele contra quem concorre, nunca mobilizará os que desistiram da democracia. Todos apostam, no entanto, numa qualidade de Biden: afinal de contas, não é Hillary.»

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