8.3.20

São Tomé e Princípe, a crónica da morte anunciada da Catarina



«São Tomé e Príncipe tem sido um país mergulhado na miséria crescente, sem futuro e com o crescimento descontrolado da natalidade, infelizmente pelas piores razões: a poligamia masculina e o abandono das crianças e das mães e pela ausência do planeamento familiar. A organização não-governamental que “mais” actua por lá, mais parece governamental que não-governamental.

O risco aumenta. O consumo de álcool aumenta. A pobreza é gritante. No meio disto, a criminalidade dispara. O desemprego também e a saúde é uma catástrofe. O que pensa desta tragédia um primeiro-ministro caído do céu, e o que faz pelo povo que diz ser seu, se não garante nada aos nacionais? A credibilidade morreu. E nem o petróleo que as petrolíferas querem explorar lhes garante segurança ou sustentabilidade financeira. A miséria é cada vez maior. O naufrágio do Anfrititi mostrou um Governo que abandona o seu povo. Foi a mim que o Governo regional do Príncipe pediu para confortar famílias dizimadas. Lavadas em lágrimas. Determinado jornal português assediava-me pelo sensacionalismo, para lhe “confirmar a morte de uma portuguesa”. Tinham morrido afogadas cerce de 60 pessoas, santomenses como eu. Não havia portugueses como eu sou também. Nada foi feito pelo Governo central. Cada um decide em causa própria. Não promovem a saúde nem garantem a segurança.

Turismo? Não me esqueço da turista alemã brutalmente violada no sul, por três santomenses. A morte da Anabela com 17 anos. Sem diagnóstico. Morreu nos braços da minha filha Francisca. Agora, a morte da Catarina. Não podemos continuar a ignorar a gravidade desta miserável situação!

O alarme instalou-se com um ensaio de pré-ditadura em 2016. Apelei à intervenção do primeiro-ministro de Portugal, pessoalmente e depois através de um artigo no PÚBLICO. Sou preta. Daquele tipo que nasceu imperfeita. E não tenho culpa. Mas visto com orgulho a pele que tenho, a raça e o sangue das minhas veias e da terra em que nasci. Mas não compreendo, 45 anos depois da independência, como se assassina cruelmente uma mulher, portuguesa, indefesa, à catanada, que não é preta como eu. Portugal nada diz. E São Tomé e Príncipe em silêncio de sepulcral. A morte da Catarina, indefesa, não pode ser silenciada. Exijo um ponto final no projecto da corrupção e das miseráveis condições de saúde, socioeconómicas e de criminalidade violenta, associada ao consumo de álcool, a disparar.

Durante as eleições, em 2018, defendi o regresso à democracia. Apoiei Bom Jesus, sem carisma. Acreditava que era um bom homem. Honesto. Carregado de sonhos para o país que me viu nascer. Coloquei-me à frente dos ninjas que se preparavam para abater jovens manifestantes. Hoje, olho para um povo desesperado que me envergonha e coloca nas redes sociais um corpo de uma mulher esquartejada no seu local de trabalho. E pergunto: o senhor primeiro-ministro não se envergonha da pasta que lidera? Acha que este é um país melhor do que aquele que herdou?

Caro António Costa, estive com o ministro Augusto Santos Silva. Elogiou o estudo que liderei em São Tomé e Príncipe quando da visita do Presidente da República de Portugal. Esses resultados acabaram com ameaças de morte e contra a minha integridade física. Acima da minha nacionalidade, sou mãe de três filhos. Gostava de morrer quando Deus quiser. Posso? A Catarina, da minha idade, foi brutalmente assassinada no seu local de trabalho. Liguei ao Tiziano e à Mari, seus patrões, italianos. E vocês, grande Governo de um democrático Portugal, o que fazem para defender a Catarina? E a Embaixada de Portugal? Além de estrangulada e invadida, Portugal não vai defender um conceito que a justiça de São Tomé engoliu? Tenho a morte prometida. Talvez seja um aviso à vossa navegação. Está tudo bem. Enquanto discutem a covid-19 com muita propaganda à mistura, convinha abrir os olhos. E ver.»

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