4.6.20

A morte de Maria Velho da Costa e o que se seguiu



Este texto foi publicado hoje no Facebook por João Sedas Nunes, filho da escritora:

«Minha mãe morreu ao começo da noite de dia 23 de maio em casa. Por imperativo legal, na madrugada de 24 o seu corpo foi levado para o Instituto de Medicina Legal para se proceder à autópsia que determinaria a causa de morte e despistaria a presença no organismo do Covid-19. Já depois de ter facultado às autoridades que intervieram no processo todos os dados que me foram solicitados (incluindo número do telemóvel), por duas vezes indaguei se deveria contactar o Instituto de Medicina Legal para apurar quando poderia resgatar o corpo. Por duas vezes foi-me categoricamente dito que me deveria abster dessa iniciativa, aguardando comunicação do Instituto de Medicina Legal que seria realizada mal a autópsia fosse concluída.

Ontem, dia 3 de junho, cerca das 17:00, isto é, quase 11 dias transcorridos desde o episódio atrás descrito, por iniciativa privada, "descobri" que os procedimentos da autópsia haviam sido finalizados no dia 25 de maio, estando dessa data em diante o corpo em depósito no IML a aguardar que a família o fosse buscar.

Honestamente, neste inqualificável processo de retenção quase diria obscena do corpo de minha mãe numa qualquer câmara frigorífica no IML não sei a quem imputar a responsabilidade principal. Às autoridades presentes no local do óbito - agora, a posteriori, tenho de pôr a hipótese de que me tenham informado erradamente - ou ao Instituto de Medicina Legal?

Em qualquer caso, há aqui algo profundamente errado no modo como o Estado, num momento tão delicado, organiza a relação com a família. Seja qual for a origem da falha, espelha um princípio de indiferença pelo sofrimento dos cidadãos na hora do passamento dos seus grandes afectos. Trago isto a público (enfim, tanto quanto este estaminé é público), não para demandar reparação (ou pedido de desculpas), mas para contribuir para a tomada de consciência de uma forma extrema de desrespeito que dificilmente pode ser "compreendida" sem invocar a impunidade do funcionário que, investido de um poder de Estado, não prestas verdadeiramente contas a ninguém. Contribuir, pois, para tornar intolerável a persistência da gramática do desprezo na ação realizada em nome do Estado e do bem comum.»


P.S. - As exéquias de Maria Velho da Costa realizar-se-ão a partir de sábado, dia 6 de junho, na Igreja do Santo Condestável, em Campo de Ourique, Lisboa. Às 17:30 iniciar-se-á o velório. No dia seguinte, domingo, às 15:00, terá lugar uma missa, a que se sucederá a cremação, às 17:00, no Cemitério dos Olivais.
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