«Desta vez a União Europeia não pode seguir a sua própria doutrina nem aplicar as receitas que criou. As regras europeias - da proibição aos estados de investir em empresas nacionais aos múltiplos constrangimentos orçamentais - afundariam a Europa e por isso foram suspensas.
A perspetiva de uma derrocada descontrolada das economias italiana e espanhola parece mesmo ter conseguido arrancar uma proposta à Comissão Europeia e as notícias multiplicam os biliões que a Europa irá entregar "sem condicionalidade", ou seja, sem austeridade. Mas será mesmo assim?
Quase metade dos 2,4 biliões (milhões de milhões) anunciados para salvar a Europa, já eram os fundos previstos no Quadro Financeiro de Apoio negociado após o Brexit e que, por sinal, penalizava bastante Portugal. Depois, há 540 mil milhões que vêm do pacote apresentado pelo Eurogrupo: são duas linhas de empréstimos, ou seja, mais dívida, sendo que uma delas foi até rejeitada pelo Estado português.
Temos, finalmente, os 750 mil milhões apresentados como "Nova Geração UE". Desses, 250 mil milhões são mais dívida e 60 mil milhões são garantias. Sobram os 440 mil milhões que interessa, porque são a fundo perdido. Parece muito mas representa, para toda a UE, metade do que a Alemanha anunciou para investir na sua economia. O plano é que a UE emita dívida própria no valor dos apoios a fundo perdido, dívida que depois será paga com impostos a lançar a nível europeu. Mas não sabemos se haverá consenso para isso. E se não houver? Nesse caso, segundo a presidente da Comissão, esse valor será cortado dos orçamentos europeus futuros, ou seja, é como se fosse dívida dos países.
De resto, duas outras dúvidas assombram este plano. O financiamento obrigará à negociação de um pacote de medidas com Bruxelas. Quais? Não sabemos. Por outro lado, este programa não impedirá o aumento generalizado das dívidas públicas. E quando a suspensão acabar, sabemos o que dizem as regras: dívida é austeridade.
Devemos então simplesmente confiar no instinto de sobrevivência do establishment europeu e da sua poderosa burocracia? Sabemos como a austeridade é um alicerce bem enterrado na estrutura ideológica de Bruxelas. E isto sem falar nos outros governos, alguns da família socialista europeia, como o da Suécia e da Dinamarca, que não farão a vida fácil aos "preguiçosos do Sul".
Sim, face ao currículo vergonhoso da UE, o programa é inédito. Mas isso não faz dele um bom programa. A verdade é que a procissão ainda vai no adro e não sabemos para onde levará. Fizeram bem, por isso, os governos italiano e espanhol que não desistem de lutar por melhores condições e mais garantias. Fez mal António Costa em declarar já que a proposta "está à altura do desafio que a Europa enfrenta".»
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