«Como se esperava, o desconfinamento aumentou a ansiedade de muita gente. Sobretudo a dos que achavam que era provável as pessoas saírem de casa e o número de infetados cair a pique. Ou dos que não tinham percebido que se o Norte tinha sido muito mais infetado na primeira fase era inevitável que Lisboa e Vale do Tejo, a região mais populosa, mais densamente povoada e onde os movimentos pendulares são mais intensos, teria seguramente de se aproximar ao que aconteceu a Norte. Aparentemente, há um número impressionante de pessoas que nunca chegou a interiorizar o objetivo de achatar a curva e acha que é possível contornar o vírus.
Defendi, desde o início, a posição mediaticamente menos apelativa: a de ponderar os efeitos na economia e na saúde de cada decisão. E quando falo de saúde, incluo os efeitos físicos e mentais do confinamento, o adiamento de consultas e cirurgias, o encerramento de funções fundamentais e não apenas do vírus. Defendi as medidas tomadas, achei excessivo o discurso veiculado pela comunicação social. Com uma certeza: o confinamento teria sempre um tempo limite. Porque ele mata e porque a partir de um determinado tempo as pessoas começam a deixar de cumprir.
Respeito, desde o início, a forma como cada um vive este momento. Dentro dos comportamentos aceitáveis, estão os que não têm medo e se limitam a cumprir as indicações das autoridades – é a isso que estão obrigadas – e os que decidiram ficar em casa durante três meses, com contactos quase nulos com o exterior. Uns com problemas de saúde que o justificam, outros nem por isso. Nada tenho a ver com isso e tenho feito um esforço para, no espaço público, não transformar diferenças de temperamento em diferenças de opinião. Mas há uma coisa que não consigo que deixe de me irritar: a superioridade moral do medo.
Há mesmo pessoas que têm mais medo do que outras. Algumas é só mais medo da doença. Algumas têm razões para isso, outras não. O medo não é pecado. Na dose certa, é necessário para a sobrevivência. Assim como, na dose certa, precisamos de ser destemidos. O seguro não morreu de velho porque morreu de fome, com medo de sair da caverna para caçar. Entre a inconsciência e o pânico há um mundo de escolhas - e não deixou de ser assim nesta pandemia.
Da mesma forma que há pessoas totalmente inconscientes, há muitas pessoas – talvez ainda mais – paralisadas pelo pânico. E muitas delas sentem-se apoiadas pelo discurso mediático dominante e interiorizaram uma ideia que pode ser muito confortável: para não se confrontarem com os seus próprios medos julgam-se apenas mais responsáveis do que as outras. Até aqui, tudo bem. Cada um tem as suas estratégias. O irresponsável patológico também se pode julgar mais corajoso. O problema é quando essa autodefesa se transforma num discurso moral sobre os outros. Quem está paralisado pelo medo não é mais responsável. Está apenas com mais medo. E não é nesse extremo nem no oposto que a nossa relação coletiva com a pandemia se tem de fazer. É com bom senso, alguns erros e respeito pela liberdade e pela saúde dos outros. As duas coisas: saúde e liberdade.»
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1 comments:
Existe uma enorme irresponsabilidade entre muitas pessoas. Continuam a ver-se aglomerados de pessoas, sem máscara e sem afastamento social. Daí, sofrem os (mais) cuidadosos.
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Tenha um dia feliz
Cumprimentos
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