«Os incêndios de 2017 revelaram um país com grande parte do território abandonado, sem pessoas nem atividades económicas, envelhecido e deslaçado. Não foi o progresso e a desruralização que o esvaziou. Foi o imparável minguar das cidades médias, de que dependem os territórios que estão entre elas. As autoestradas que se fizeram e as linhas férreas que se destruíram são uma pequeníssima parte do debate, porque de pouco servem se não servirem economia nenhuma. Um país que perde indústria, agricultura e economia de proximidade está destinado a destruir a sustentabilidade do seu território.
O resultado disto foi um crescimento unipolar, concentrado em Lisboa. Em “Cuidar de Portugal” (Almedina), José Reis descreve o processo: entre 2001 e 2018, a população da Área Metropolitana de Lisboa cresceu 6,3%, enquanto o Norte teve uma queda demográfica de 1,3%, o Centro de 5,7% e o Alentejo de 9,1%. Até o Algarve, que costumava crescer, começou a perder população em 2011. Sete concelhos de Lisboa cresceram mais de 18%, 140 do resto do continente perderam entre 10% e 40% da população. Durante este período, a especulação imobiliária e o turismo também expulsaram os lisboetas da capital. Formou-se um ‘donut’, cada vez mais denso nas periferias e vazio no seu núcleo. É nessas periferias sobrelotadas que se encontram os que abandonaram o resto do país, os que foram expulsos do centro da cidade e os imigrantes. Mal servidas de transportes, de ordenamento e de habitação de qualidade, acumulam pobreza e exclusão. É por isso que a polémica em torno da redução dos preços dos passes sociais, tratada como mais uma benesse a Lisboa, foi tão imbecil. Os pobres das periferias da capital são a consequência do abandono do resto do país.
Acreditar que umas quantas festas ou o exemplo de políticos explica a concentração de surtos em freguesias da coroa norte da periferia da capital é conhecer mal a região onde se acumula quase um terço da população nacional. Enquanto os surtos iniciais no Norte foram em lares de idosos ou importados, graças à indústria exportadora, o padrão dos novos infetados de Lisboa são pobres, trabalhadores precários e população migrante, obrigados ao uso de transportes públicos desadequados e a viver em casas sobrelotadas. Sobretudo jovens adultos, o que explica a baixa letalidade. E com prevalência inicial em plataformas logísticas, com trabalho desqualificado. Este perfil é o de uma região que continua a ser tratada, no discurso público, como privilegiada. Não percebem que a riqueza de Lisboa esconde as maiores bolsas de desigualdade do país. O debate partidário vê as consequências dos incêndios de 2017 e do desconfinamento de 2020, muito mais grave as primeiras do que as segundas, como um sinal de incompetência do Estado. Mas é mais profundo do que isso. São dois retratos sociológicos da mesma realidade: um país que perdeu a sua capacidade produtiva na indústria e na agricultura e depende cada vez mais de serviços desqualificados. Por isso, expulsa gente do conjunto do território e concentra-a à volta de uma cidade inacessível. A esta tendência, que se agravou nas duas últimas décadas, chamamos de subdesenvolvimento.»
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1 comments:
Resido numa cidade coladinha a Lisboa. Confesso ter medo desta desgraça que está a assolar a cidade de Lisboa. Cada dia que passa são mais e mais infectados. Meu Santo Deus, onde irá isto parar...
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Saudação amiga
Fim de semana feliz
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