«É curioso que, apesar da implosão recente do sistema financeiro a nível mundial, perdure alimentado diariamente urbi et orbi a peregrina ideia de que as privatizações são abençoadas em contraponto com a propriedade pública, que é diabolizada.
O sistema mundial económico colocou no índex qualquer gestão pública. Todo o sistema imunitário da atual globalização se une para diabolizar tentativas de colocar qualquer unidade produtiva sob o domínio do Estado, porque estará escrito algures no Monte Sinai que o Estado existe para encher os bolsos dos privados, mesmo quando a sua gestão é ruinosa. No caso, um dos expoentes do absurdo é o exemplo da EDP: enquanto no setor público português era só desgraça, na mão dos chineses é sublime, deve ser dos Mexia, Pinho, Catroga e de todos os comedores da grandiosa gamela do comunismo chinês. Aqueles comunistas cheiinhos de dinheiro é que são bons, os outros tesos a proclamar a igualdade dos cidadãos estão em contramão.
O negócio correu tão bem a meia dúzia de mequetrefes que o MP teve de agir para fazer mesmo au ralenti funcionar as instituições inquinadas pelos donos desta coisa…
O caso da TAP é também paradigmático: nacionalizada à última hora, entregue ao desbarato pelo governo do PPD/CDS, a gestão dos senhores Neeleman e Pedrosa foi um vê-se-te-avias quer com Passos, quer com Costa.
Afinal, a tão apurada e tecnocrática gestão privada da TAP foi ruinosa. A empresa, no início de 2020, estava nas lonas. E não foi o Estado, foram gestores de elite do setor privado que aproveitaram o negócio para levarem a TAP para o descalabro, certamente dando milhões a uns tantos, através das negociatas só ao alcance de gente capaz de vender alma e o resto da vergonha.
A TAP comprou rotas e aviões como se fosse uma das maiores companhias do mundo, quando é a companhia de bandeira de um pequeno país europeu… mas isso era obra dos tais profissionais privadíssimos e de grande reputação.
Algures estaria alguém a contar com os despojos a custo zero da TAP? Algures na Europa, quem estaria a esfregar as mãos de contentamento por obrigar os portugueses a ter que viajar para Madrid para irem para África ou para a América do Norte e do Sul? Quem?
Claro que a TAP, enquanto companhia de bandeira, tem de melhorar muito e mostrar que é capaz de ser competitiva e não apenas continuar a ser mais um entreposto de negociatas como as que caracterizam o nosso sistema político-financeiro.
Veja-se o que sucede com o Novo Banco e as novas e escandalosas negociatas da venda de imóveis por meia dúzia de patacos. Byron Haines liderou um banco detido pelo fundo Cerberus. Por 200 imóveis do Novo Banco, o fundo que detinha o banco e que Haines liderou comprou-os por 159 milhões, sendo o seu valor bruto contabilístico 478 milhões, uma perda de 328,80 milhões. A gestão sem mácula é esta, tirar de um banco resgatado para encher os bolsos do Cerberus, fundo muito fundo onde foram parar riquezas de um banco que está a ser pago por todos os portugueses.
Entretanto, parece que finalmente a mais fina figura do regime vai a julgamento. Haja Deus. Homem sério, condecorado, sempre bem acompanhado das mais altas figuras do reino, de boas famílias, o dono disto tudo era realmente um homem capaz de mil e um negócios… ele e os outros, do BPN ao Banif e ao BCP… Vamos ver.
As últimas notícias da distribuição da riqueza no mundo são também bastante esclarecedoras: o número de grandes fortunas e de milionários cresceu 8,8% em 2019, face a 2018. São fortunas que tornam ainda mais dolorosas as situações que dizem respeito a mais de metade da Humanidade que vive com cerca de dois ou três dólares por dia. Não está em causa, nem devia estar, a maior capacidade de certas pessoas de conseguirem obter e fazer prosperar negócios de um modo extraordinário. O que está em causa é a total incapacidade do sistema para deixar na mais completa miséria mais de um quarto da Humanidade.
Se o sistema cria desequilíbrios desta grandeza, tal mostra a sua incapacidade para dar resposta a uma questão tão simples como esta: é ou não possível haver uma vida decente para todos? O que se tem visto é que a atual globalização não tem respondido a este desígnio, apesar do índex e da poluição de gente a dizer que estes são os bons gestores. O que conta não são os resultados; é a tal realidade dolorosa que é preciso continuar a negar, não é, Galileu?»
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