«Nas profundezas das redes sociais, trava-se uma guerra. Há relatos de batalhas sangrentas no Twitter, das quais poucos escapam ilesos. Repórteres de guerra infiltrados em grupos de WhatsApp dizem ter avistado homens adultos a marcar sessões de porrada. Tudo por causa de um vírus que parece uma esfregona. Já fui apanhada numa escaramuça provocada por um bocado de tecido manhoso com caveiras ou patinhos que mede aproximadamente 9,5 por 17,5 centímetros, vulgo máscara, mais conhecida entre os mais radicais como “focinheira” ou “mordaça”, o símbolo máximo da subjugação da “carneirada” à narrativa oficial do medo. Afiançaram-me que existem estudos sobre os efeitos neurológicos irreparáveis causados pelo seu uso. Manifestada a minha preocupação com a possibilidade de ser operada por alguém que passa uma boa parte da sua vida com a ela colocada, garantiram-me ser a sua substituição pela abertura de janelas nos blocos operatórios recomendada pelos melhores cirurgiões.
Por mais tentador que seja tratar por igual todos os que contestam a opção tomada para gerir a pandemia, não consigo apelidá-los em bloco de “covidiotas” ou “negacionistas”, mesmo se os há pelo meio. Muitos estão genuinamente preocupados com as consequências que as políticas seguidas podem deixar no equilíbrio complexo entre liberdade e segurança. Sou inclusive obrigada a reconhecer uma forte tentação em atirar-me para os braços do negacionismo sempre que oiço “na China é que resolveram bem o problema”. Também se deve reconhecer a importância de vozes dissonantes que, desde março, chamam a atenção para a dimensão dos danos colaterais - na economia, na nossa sanidade mental e até no próprio serviço nacional de saúde, todo ele direcionado para os doentes covid.
Onde se torna difícil acompanhar muitos dos que clamam ser “pela verdade” está na sua frequente posição de superioridade em relação à “carneirada”, que não questiona nada e aceita tudo. Esses carneiros, que não tiveram tempo para tirar um curso acelerado em medicina com especialização em epidemiologia e virologia, mais um bacharelato em matemáticas aplicadas e estatística e uma pós-graduação em gestão dos sistemas de saúde, enfiaram uma máscara no bolso e foram à sua vidinha o melhor possível. Em última análise, se alguém nos vai safar, na saúde e na economia, são eles.
Suspeito que muitos dos agora agarrados à narrativa da Grande Ilusão sentem tanto medo como os “covideiros” que não largam a máscara nem para dormir. Enquanto estes últimos estão piamente convencidos que se todos cumprirmos as regras o vírus desaparece - o que é pouco provável -, aqueles procuram uma escapatória na recusa do perigo. O seu negacionismo é só uma outra maneira para conseguirem fazer o mais difícil nesta epidemia: sair de casa e navegar na incerteza.
Se só fosse assim, não vinha grande mal ao mundo. Mais, até tem vantagens. Se ninguém questionasse as grandes opções, talvez não fossem tantos a insistir que todas as medidas devem conseguir o máximo controle do contágio com o dano mínimo na economia. E também podíamos assistir a um baixar da guarda na necessária vigilância perante o apetite voraz do Estado em regular ad infinitum a vida em sociedade em prol do bem comum.
Mas existe um ponto em que se torna necessário chamar a atenção e pedir cautela. No meio desta azáfama em fazer ver enfim a verdade aos seus semelhantes, acontece não raro conseguirem apenas baralhar ainda mais quem está a tentar fazer o melhor possível para conseguir resolver a gincana em que foi enfiado. Por existir o medo tantas vezes denunciado, exige-se muito cuidado quando se oferece aos outros uma narrativa de negação do perigo. Em pleno cansaço pandémico é demasiado apetecível baixar a guarda. Ora, qualquer que seja a sua posição na guerra do covid, ninguém minimamente sério nega passar uma grande parte da solução pela responsabilidade individual. Será sempre contraproducente dar uma desculpa para que esta diminua.
Da próxima vez que depararem com um vídeo ou texto proveniente de uma qualquer associação que se autoproclama “pela verdade”, comecem por verificar melhor a sua origem e a sua credibilidade. Recorram ao mesmo critério usado perante um país que se apresenta como “democrático”: se o fosse mesmo, talvez não precisasse de o apregoar logo no nome.»
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