«As simulações feitas na aplicação “ESTAMOSON” (felizmente o Governo não está off, o que se traduziria numa situação de anomia ou de anarquia) levam a que um jovem de 25 anos saudável seja previsivelmente vacinado daqui a vários meses, não significativamente mais tarde do que a sua avó de 80 anos saudável, apesar de o risco sanitário inerente à contaminação por covid-19 ser completamente diferente para ambos.
Como a letalidade da doença aumenta com a idade, se a decisão política for a de vacinar um jovem e saudável membro das forças de segurança em vez de um cidadão de 75 anos, as consequências prováveis serão as de o primeiro não contrair a covid-19 e o segundo falecer por não estar imunizado. São opções politico-jurídicas fundamentais que determinam a escolha o tipo de comunidade que queremos ser.
O principal critério adotado nos planos de vacinação covid-19 nos EUA, Reino Unido, Alemanha e França, é baseado na idade. Portugal optou por uma solução diferente da destes países.
A ministra da Saúde afirmou à RTP1 que seriam “critérios técnicos” a justificar as opções tomadas. Em que teoria de justiça distributiva se fundamentam esses critérios? Ou não se fundamentam em nenhuma teoria e referem-se apenas às características técnicas dos veículos que asseguram o transporte de mercadorias a baixa temperatura?
Face ao ritmo diário elevado e constante a que estão a falecer as pessoas de mais de 70 anos em Portugal, podemos indagar sobre quais serão os objetivos visados com a definição feita dos critérios de vacinação nesta primeira fase: Serão eugénicos, facilitando a morte dos menos jovens e saudáveis? Serão economicistas, salvaguardando a saúde de parte da população ativa essencial ao bom funcionamento da Economia? Traduzirão a vontade de que o Estado português se converta num Estado de polícia, com o apoio inequívoco de quem detém o monopólio legítimo do uso da força, sempre útil em tempos de instabilidade, como são os de uma pandemia? Serão demagógicos, selecionando apenas uma parte do universo de pessoas que sofrem de determinadas patologias graves? A resposta a estas questões será necessariamente negativa num Estado de direito livre, igual e solidário.
Ao ritmo a que a pandemia tem ocorrido em Portugal nesta “terceira vaga”, muitas pessoas com mais de 70 anos falecerão diariamente com covid-19 nos próximos meses. Muitas dessas mortes seriam evitadas se lhes fosse dada prioridade máxima no Plano Nacional de Vacinação.
No final de 2021 estaremos a discutir por que morreram tantos idosos e se as suas mortes poderiam ter sido oportunamente evitadas. Teria sido possível interditar a ponte de Entre-os-Rios ou organizar o cadastro da propriedade rústica em Portugal de forma a evitar a queda da ponte ou a morte de muitas pessoas em incêndios rurais. Quer os decisores políticos que não tomaram essas decisões quer a população que os elegeu terão de viver com a tragédia existencial irreparável do que sucedeu.
Seria possível salvar muitas vidas que se encontram em risco acrescido de terminar, no curto prazo, com covid-19. Cidadãos e cidadãs comuns que, à semelhança dos gladiadores no Coliseu romano, apenas podem dizer em cada dia que passa aos nossos governantes: “Ave Caesar, morituri te salutant!”»
Teresa Pizarro Beleza e Helena Pereira de Melo
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