19.2.21

António Gedeão (Rómulo de Carvalho) morreu num 19 de Fevereiro

 


ESCOPRO DE VIDRO 


Estou aqui construindo o novo dia

com uma expressão tão branda e descuidada

que dir-se-ia

não estar fazendo nada.

E, contudo, estou aqui construindo o novo dia.

 

Porque o dia constrói-se: não se espera.

Não é sol que deflagre num improviso de luz.

É um orfeão de vozes surdas, um arfar de troncos nus,

o erguer, a uma só voz, dos remos da galera.

 

Cantando entre os dentes

um refrão anidro

abro linhas quentes

com um escopro de vidro.

Abro linhas quentes

sem tremer a mão,

com um escopro de vidro

de alta precisão.

 

in «Máquina de Fogo», 1961

.

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