6.4.21

Os adultos são chamados à sala

 


«Numa altura em que o Centro Europeu de Controlo de Doenças (CECD) coloca Portugal em primeiro lugar na situação epidemiológica relativa à pandemia, apenas ultrapassado no continente europeu pela Islândia, e iniciada ontem a segunda fase do desconfinamento, resta-nos apelar ao sentido cívico de todos para que não voltemos a ser os piores do mundo e para que, deste modo, possamos começar a recuperação de uma cavada crise económico-financeira e social.

Todas as organizações que se dedicam meritoriamente ao apoio aos mais carenciados dão nota de números crescentes de pedidos de auxílio, que abrangem já a classe média, e que demandam, de todos, uma constante atenção para com o outro. Só o Banco Alimentar, nos primeiros seis meses de funcionamento da Rede de Emergência, valeu a mais de 60.750 pessoas. Neste ponto, estou em crer que a nossa secular História, como nos tem demonstrado, não deixará de ser a massa unificadora de uma sociedade coesa e solidária.

Todavia, os sinais são deveras preocupantes. No seu mais recente relatório (World Economic Outlook), o Fundo Monetário Internacional (FMI), já em Abril, assume que os efeitos económicos da pandemia implicam e implicarão consideráveis perdas de médio prazo, embora, como sempre, mais salientes nos países menos desenvolvidos. Estima-se, não obstante, que os efeitos não serão tão gravosos quantos os advenientes da crise das dívidas soberanas, iniciada em 2008, e que por cá pôs o país perto da bancarrota e trouxe-nos a troika de volta.

Em 2024, prevê-se que o crescimento do PIB global seja 3% abaixo do expectável pré-covid. A contracção na indústria hoteleira e da restauração representa, em Espanha, perdas de 6% a 7% da riqueza nacional, o que não andará longe do que sucede em Portugal. Na educação, um estudo recente da OIT (Organização Internacional do Trabalho) verificava que 65% dos estudantes têm a percepção de menos aprendizagens com as aulas online, para já não falar nos dados de um estudo promovido pela UNESCO, Unicef e Banco Mundial, que aponta como principais problemas para os novos modelos de ensino-aprendizagem as circunstâncias de 68% dos estudantes do mundo não terem sequer acesso à electricidade, 65% à Internet e 58% dos professores não disporem ou estarem preparados para lidar com as novas ferramentas.

Donde, como nos vêm dizendo – e bem –, é suicídio que Portugal junte às crises sanitária e económica uma crise política. Para tal será essencial que o primeiro-ministro interiorize que não governa com maioria absoluta e que a forma como tem tratado alguns parceiros da anterior solução governativa é de uma altivez que, aqui e além, roça tiques autoritários que criticou a Cavaco ou de que também padeceu Sócrates. Em especial com o BE, é urgente refazer pontes, o que é sempre um caminho bilateral, evitando os afrontamentos públicos a que vimos assistindo. Tanto assim é que, se o PCP tiver mais um decepcionante resultado eleitoral, agora nas autárquicas, a cooperação que tem mantido com o PS pode entrar em colapso. Os comunistas têm um património secular de luta pelos interesses do país, por certo à luz dos seus ideais, de que discordo. Mas tal património pode ceder quando confrontado com a dura realidade de se tornar uma força política irrelevante e descaracterizada, tanto mais que a sua perda de força no terreno será proporcional à capacidade negocial com o Governo.

Numa palavra, as esquerdas devem, quanto mais não seja por dever patriótico, encontrar plataformas comuns de entendimento aptas a relançar a economia e o emprego. Nas últimas legislativas, o Povo português demonstrou que a “geringonça” era para continuar e o PS pré-pandemia acreditou que poderia criar uma crise política quando as sondagens apontassem para uma maioria absoluta. Tal não vai suceder até ao fim da legislatura.

A outra alternativa, de direita, não arranca, com um PSD ziguezagueante e um líder incapaz de se afirmar dentro e fora do partido. O argumento de que são os governos que perdem as eleições e não as oposições que as ganham só em parte procede, pois os eleitores, se não vislumbrarem ao menos um lampejo de caminho alternativo, deixam-se ficar. A lei mais cumprida no mundo é a do menor esforço ou da força da inércia. O CDS está moribundo, a IL não parece descolar dos valores já alcançados e as opções mais à direita nem merecem comentário.

Donde, como bem diz o Presidente da República, os próximos dois Orçamentos do Estado serão essenciais e espera-se de Marcelo que, como diz, tudo faça para segurar a maioria parlamentar, pela pragmática razão que ela é a única que já deu provas de funcionar. Por certo com erros ou imperfeições, mas, quando se faz a chamada, quem mais diz “presente”?»

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