«Tem sido notícia de jornal pelo mundo fora. O japonês Shoji Morimoto, de 37 anos, formado em Física, aluga-se a si próprio para não fazer nada, apenas proporcionando companhia. Depois de passar por vários empregos terá concluído que esse era o seu único e autêntico talento e a verdade é que tem angariado milhares de clientes nos últimos tempos.
Tudo começou quando comunicou nas redes sociais que, por cerca de 77 euros por encontro, não faria nada na companhia de quem o contratasse, a não ser comer, beber e dar respostas simples às interpelações. Já agora, a comida, bebida e transportes são por conta dos clientes. Solicitações não lhe faltam. Recentemente contava à BBC que as mais comuns são para acompanhar quem não quer ir sozinho às compras de supermercado ou quem não deseja comer só. Mas também existe quem o queira para ir ao hospital ou, mais insólito, como companhia para assinar os papéis de divórcio. Dir-se-á que tal só é possível num país que acaba de criar o Ministério da Solidão, mas não parece. As sociedades contemporâneas são máquinas de produção de isolamento e a pandemia só o intensificou.
Claro que existem vários tipos de solidão. A escolhida, por opção consciente, não deveria teoricamente significar nenhum conflito para quem a vive. Na pré-pandemia, para quem habitava sozinho, era relativamente fácil evitar a sensação de isolamento, com um pouco de vida social, trabalho ou lazer. Agora existem novas circunstâncias, que se agravam consoante as situações económicas ou de empregabilidade de cada um. Já a indesejada, que tende a ser ligada a pessoas idosas ou dependentes, é mais transversal do que tendemos a aceitar, mas os estigmas nem sempre nos levam a assumi-la. Isto se nos limitarmos a ligar o estar só com o confinamento num lugar físico. O espaço mental é outra realidade. E se formos para aí, a solidão é ausência de ligação, de envolvimento, de proximidade e de intimidade. E isso é muito mais diagonal.
Como diz a economista inglesa Noreena Hertz, autora da obra The Lonely Century: Coming Together in a world that’s pulling apart (2020), vivemos num tempo onde tudo se pode comprar, até uma companhia como quem adquire uma pizza, citando o exemplo de uma empresa americana que cobra 30 euros à hora para proporcionar companhia, com pessoas formadas para cumprirem a função a preceito. Não são acompanhantes de luxo, mas o modelo fá-lo lembrar. Nada de surpreendente, diz-nos ela, citando que num estudo pré-pandemia era veiculado que um em cada cinco adultos assegura que se sente solitário a maior parte do tempo, enquanto num outro, do ano passado, é referenciado que um em cada oito britânicos reconhece que não tem nenhum amigo em quem confiar.
Como se chegou a este oceano de solidão? Há muitas e cumulativas causas nas últimas décadas. Sociedades estilhaçadas do ponto de vista socioeconómico, político, racial, de género ou classe. Prevalência de sistemas impessoais e complexos em relação a noções de comunidade. Ausência de lugares públicos o que não propicia sociabilidades espontâneas. O predomínio do individualismo neoliberal e a primazia do lucro privado sobre o interesse social. Redes de tecnologia que permitem a hiper-conectividade, mas que não anulam o sentimento de isolamento, nem garantem a criação de comunidade. Quanto muito simulam a solidão.
O paradoxo é que a pandemia veio mostrar que a mutualidade é vital. Somos existências conectadas. Necessitamos uns dos outros. Satisfazemos necessidades e interesses, embora de forma diversa, graças à acção concertada de muitos. As respostas individuais são curtas quando se abordam estruturas geradas socialmente. Não somos auto-suficientes, mas sim interdependentes, e a pandemia só veio patentear que o somos ao nível global, local e particular. O que mais apreciamos como pessoas é de estar com outras pessoas. De preferência sem ter de lhes pagar.»
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