27.5.21

Por este Rio abaixo



 

«Há qualquer coisa de trágico – e ao mesmo tempo de quase comovente — em Rui Rio. Aceita aparecer no chamado “congresso das direitas” contente por não haver uma tabuleta a dizer “congresso das direitas”, porque como não é de direita não iria conseguir entrar; repete o mesmo discurso sobre dívida, défice, crescimento e exportações que tem há anos (recusando sugestões para que o discurso do PSD deixe de estar centrado nas finanças); anuncia que o seu programa para salvar Portugal passa por um acordo com o PS e que o tal programa — que é o de sempre, reforma do sistema político e do sistema da justiça — é impossível. “O PS não quer reformar nada”: foi o único momento, o das críticas ao PS e não o enunciado do programa, em que o congresso das direitas acedeu a aplaudi-lo. Depois, diz que já tomou a vacina da Astrazeneca, está muito bem e vai-se embora. Passos Coelho, o fantasma presente na sala, acompanha com carinho o sucessor à saída, numa quase metáfora do que pode ser o futuro do PSD, a avaliar pelo saudosismo passista presente na velha FIL.

Sentado na primeira fila, para onde saltou rapidamente depois de na terça-feira ter começado por sentar-se cá mais atrás, Passos Coelho foi um catalisador do sentimento de orfandade existente no PSD, expresso em aplausos e homenagens ao antigo líder enquanto o nome de Rui Rio ou era omitido ou atacado.

No fim de contas, a convenção serviu para sinalizar que Passos Coelho é um unificador das várias direitas na órbita do PSD — e a sua disciplinada presença dentro da sala quase do princípio ao fim funcionou como um cartaz. A reunião serviu também para institucionalizar o partido da extrema-direita, o Chega, e ajudar a Iniciativa Liberal a percorrer o seu caminho — pelo menos enquanto D. Sebastião não se levantar da primeira fila da assistência e decidir subir ao palco. Com André Ventura a declarar querer ser “Governo” e a ameaçar que a direita não voltaria ao poder sem o Chega (e assinava também o seguro de vida do PS e de António Costa) os presentes entusiasmavam-se e aplaudiam.

Foi também um palco excelente para mostrar um Paulo Portas moderadíssimo, candidatável a Belém e contra a democracia transformada em “gritaria" (longe vão os tempos do CDS do triunvirato Manuel Monteiro/Paulo Portas/O Independente e a sua específica gritaria numa época sem redes sociais). Da presença obnóxia de militantes do PS num encontro para discutir a reconfiguração das direitas, útil só o conselho de Henrique Neto: “Esta reunião tem por trás de si o desejo de substituir um Governo de esquerda por um Governo de centro-direita. É preciso ver quem está em condições de liderar. Eu, se fosse ao dr. Rui Rio, limitava-me a pôr numa folha de papel dez causas e propunha-as ao centro-direita do país”. Até há causas, mas são impossíveis.

Discurso inteligente e a sair da estranha amálgama que pairou na “reconfiguração das direitas" foi o de Miguel Poiares Maduro a estabelecer as fronteiras que Rui Rio não quis fazer, contra os que “entendem que a necessidade de oferecer uma alternativa se sobrepõe à qualidade dessa alternativa”. Não é o seu caso: “De pouco serve unir todo o espaço não socialista se as diferenças no seu seio forem tão ou mais graves do que as que o separam do outro lado”.

Quanto ao resto, é de lembrar o papel patriótico dos “founding fathers” da direita portuguesa quando integraram os saudosistas do Estado Novo nos seus partidos — o PSD “socialista” de Sá Carneiro e o CDS centrista de Freitas do Amaral. A adesão ao regime deposto sempre existiu — “O que era preciso era outro Salazar” sempre foi um elemento do vox populi — e continua a aparecer em eventos da direita, mesmo que poeticamente. A historiadora Fátima Bonifácio encerrou a sua intervenção a citar Fernando Pessoa sobre o ditador: “A sua simplicidade dura e fria pareceu qualquer coisa de bronze e fundamental”. Tinha dito.»

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