11.6.21

Do Islão a Caxias



 

«Ao delírio da extrema direita – vem aí “uma invasão islâmica que põe em perigo as nossas mulheres” (perigo terrível não tanto de violência sobre as mulheres, mas de humilhação máxima do macho luso) – deve-se dar o desconto de ser delírio desonestamente construído para a cruzada xenófoba.

Falemos, pois, dos imigrantes concretos que chegam ao nosso país. Gente que não vem com outro horizonte que não seja o de conquistar a vida digna que nunca teve. Gente que, como os nossos emigrantes fizeram em França, na Suíça ou nos Estados Unidos, entra como pode e trata da regularização logo que consegue.

Pois bem, esses homens e mulheres, que já aqui trabalham e já aqui descontam para a Segurança Social de todos nós, esperam anos (!) pela marcação de um atendimento no SEF para o início da sua regularização no país. O país soube a semana passada que os agendamentos do SEF para regularização estão lotados até outubro. Por défice de apetrechamento da dimensão administrativa do SEF – desde logo em pessoal suficiente –, milhares de imigrantes são condenados a viver em condição irregular no país. Só não vê quem não quer: Portugal precisa de um serviço administrativo robusto de tramitação da entrada e regularização dos imigrantes, que dê resposta efetiva e atempada aos pedidos nesse sentido. A imigração não é um caso de polícia, é, antes de tudo, um caso de administração eficiente.

Mesmo os imigrantes que são retidos na entrada do país pelo SEF não são, na sua esmagadora maioria, casos de polícia. Em 2019, a 89% das cerca de cinco mil pessoas detidas nos espaços geridos pelo SEF nos aeroportos, a quem foi recusada a entrada no país, foram-no por causa de irregularidades na documentação e não por serem suspeitos de crime.

Por isso, encarcerar estas pessoas, que não cometeram nenhum crime – como o Governo admite vir a fazer na ala sul da prisão de Caxias, em Alcoutim e em Vila Real de Santo António – é tudo o que há de mais aberrante, porque transmite a ideia de que as pessoas migrantes são um perigo para a segurança. Não, não é um lapso do Governo: já no verão passado, vários grupos de migrantes vindos do Norte de África foram colocados na prisão do Linhó e num quartel em Tavira, sem possibilidade de recorrer a advogados ou de requerer autorização de residência em Portugal.

Moral da história: não é preciso embarcar no delírio da extrema direita para tratar os imigrantes como ameaças ou criminosos em potência. Encarcerar aqueles cuja irregularidade é detetada na fronteira é uma cedência irresponsável a essa fantasia perversa de quem inventa invasões e violações em massa para surfar o alarme que cria.»

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