«O deputado único do Iniciativa Liberal tem toda a razão. Na enxurrada de análises ao seu arraial, ninguém foi ao essencial: aquilo foi bom? O jornalismo de investigação morreu; é só opiniões e palpites. Tudo preocupado com a coerência política ou um surto liberal e ninguém a verificar se os barris de cerveja tinham chegado para a noite inteira.
Na falta de um “Sexta às Nove” dedicado ao tema, posso colmatar a lacuna: todas as minhas fontes garantem que foi excelente. Não consegui extrair informação sobre a relação qualidade-preço das sardinhas, mas a música mereceu aprovação. Mesmo com uma passagem pelos Xutos & Pontapés, escolha duvidosa para os Santos Populares, o DJ não caiu na tentação de intelectualizar a coisa com Marante e foi direto para Quim Barreiros. Mau grado a contagem obsessiva das máscaras e a medição metódica das distâncias, não se tratou de uma manifestação de negacionistas. No máximo, estava lá um bando de “acabacionistas”, cansados de olhar para o fim da pandemia como uma miragem. Primeiro foram as máscaras, das máscaras passámos para as vacinas e agora é não se sabe lá bem o quê, mas está tudo na mesma.
Com a ditadura sanitária instalada, organizar um arraial é uma declaração de amor à liberdade. Se Cotrim Figueiredo não encontrar nada em Orwell, é citar o filósofo católico alemão Josef Pieper: “É através de festivais que os seres humanos afirmam o significado fundamental das suas vidas e o seu lugar dentro do universo.” Está em linha com a requalificação de Santo António como um liberal avant la lettre e o direito fundamental de procurar a felicidade em qualquer lugar, incluindo numa sarjeta lisboeta pelas duas da manhã.
Já tenho mais dificuldades em acompanhar o dirigente do Iniciativa Liberal e o seu candidato à Câmara de Lisboa, Bruno Horta Soares, quando garantem ter demonstrado ser possível honrar as tradições lisboetas em segurança — e que Medina, como todos os socia-listas, é só mais um cobarde incompetente. A mão invisível pode ser o melhor garante do bom funcionamento do mercado, mas nunca ouvi falar do seu valor na boa distribuição de vírus. Fiquei, assim, meio na dúvida se alguma vez tinham posto os pés em Santos ou Alfama nesta altura do ano. Do que me lembro, juntar as palavras “segurança” e “arraial” é um oxímoro. O próprio conceito dos Santos Populares implica um nível de alcoolemia incompatível com o exercício da liberdade com responsabilidade. O agente económico, racionalmente, investe todas as suas poupanças nos líquidos, descurando os sólidos, para realizar o mais depressa possível o objetivo pretendido: chegar ao limiar do coma alcoólico.
A comprovar esta afirmação apresento a colocação em minha casa de uma cerca sanitária à volta de um infetado no ar¬raial liberal. Apesar de ter ouvido o próprio Cotrim Figueiredo afirmar que “cá estaria” em caso de contágios, não estou a reclamar. Depois de ler os vá¬rios Power Point que servem de manifesto e programa ao Iniciativa Liberal, sei que cabe a cada um assumir os custos e as consequências da sua liberdade. Meti-me numa alhada, trato eu dela. Pensem também nisso. Ao contrário do eleitor comunista, quem quer libertar Portugal, quando não é um burguês do teletrabalho em pleno confinamento Netflix, é filho dele. Neste momento, com a chegada do verão e as temperaturas a subir, apetece-lhe ir tranquilamente a banhos e está farto do fascismo higiénico. Mas não me fiava muito que continue assim se a curva insistir em empinar.»
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