10.8.21

A prova de fogo do futuro



 

«Lembro-me bem do ano de 1988, quando, no seio da ONU, foi criado o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC). Nesse ano, o verão foi particularmente violento (bastante moderado, se visto a partir de 2021...) e cientistas que nunca desistiram da sua cidadania, como é o caso do climatologista Stephen H. Schneider (1945-2010), escreveram profusamente sobre o próximo "século do efeito estufa", de uma Terra que a nossa debilidade moral, a começar pelas elites económicas e políticas, estava a transformar num sistema globalmente disfuncional. É nele que hoje habitamos.

O sexto relatório do IPCC, cuja primeira de quatro partes foi publicada ontem, causa no leitor um efeito paradoxal. O contraste abrupto entre uma prodigiosa obra de arte científica e a confirmação do estrondoso fracasso no plano prático da ação concreta que seria necessária para combater as alterações climáticas, aproveitando os importantes ensinamentos deste e dos outros relatórios. Embora a atenção mundial se concentre nas 42 páginas do Sumário para Decisores Políticos, só este primeiro módulo totaliza 3949 páginas que não teriam sido possíveis sem uma navegação por mais de 14 mil estudos científicos levada a cabo pelo generoso contributo de centenas de autores, revisores e peritos de vários saberes. Fracasso prático, contudo, pois apesar de todos os alertas a verdade é que desde 1988 a humanidade emitiu mais gases de efeito estufa para a atmosfera do que desde a consolidação do Homo sapiens.

Este relatório confirma-nos tudo aquilo que há anos ainda poderia suscitar dúvidas. As mudanças em curso não são evitáveis nem reversíveis. Contudo, a ação coletiva, a cooperação internacional, são tão fundamentais para a mitigação (para impedir o descontrolo total da concentração de gases de estufa) como as iniciativas regionais e nacionais para a adaptação (que nos permite resistir, apesar dos impactos inevitáveis). O futuro que os últimos 70 anos de irresponsável aceleração consumista nos impuseram deixa-nos ainda uma escolha fundamental que depende só de nós, como sociedade e indivíduos: mudar para um estilo de vida onde a resiliência se conjuga com dignidade ou continuar a ignorar todos os alertas, até que o futuro se manifeste caoticamente, comprometendo a sobrevivência humana em largas regiões da Terra. Se utilizarmos esta escolha como crivo das atuais políticas nacionais e europeias, verificaremos que muitas das medidas em curso falham redondamente o teste do futuro. 

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