5.8.21

Parábola das sandálias (ou a importância da oposição)

 


«Quando o meu filho faz birra porque quer ir para a praia com meias e sapatilhas em vez de levar as sandálias do Homem-Aranha que seriam muito mais fáceis de calçar e descalçar num mundo de areia assaltam-me dois sentimentos contraditórios: uma ira imensa, porque até foi ele que escolheu as sandálias na loja; e um orgulho desmedido, por ver que segue as minhas pisadas e defende o uso de meias e sapatilhas nas idas à praia, ao contrário da maioria absoluta dos veraneantes.

E quem diz que a maioria tem sempre razão? Esse é, aliás, o calcanhar de Aquiles da democracia. Mesmo quando a maioria está errada, os poucos que a contestam têm de submeter-se à sua vontade. E tão importantes são as minorias para acautelar os desmandos das maiorias, que por mais absolutas que sejam não têm o monopólio da razão.

Com as autárquicas à porta, é natural que a preocupação primordial dos eleitores seja a escolha de um presidente de Câmara. Mas não menos importante será a oposição com que os vencedores terão de conviver e trabalhar durante o mandato. Uma oposição forte faz um executivo forte. Torna-o mais atento, menos displicente, obriga-o a preparar melhor os dossiês.

A tese de que só com uma maioria absoluta é possível ter a estabilidade necessária para levar por diante as políticas sufragadas pelos eleitores convence pouco. Boa parte das decisões nos executivos até são tomadas por unanimidade ou sem sobressaltos de maior. É nos grandes projetos, nas matérias com mais impacto na vida dos cidadãos, que muitas vezes surge a discórdia. Um problema? Não creio. Porque é precisamente nestes casos que a discussão mais faz sentido. Um executivo de maioria absoluta, não raras vezes, envereda por um simulacro de debate, ciente de que, no final, a sua vontade prevalecerá, por muito benévolos que sejam os contributos da oposição.

É por isso que desconfio das maiorias absolutas e discordo da teoria dos executivos monocolores que alguns defendem em nome da alegada estabilidade.

No entanto, é evidente que numa câmara de maioria relativa, para que não se atinja o caos, exige-se uma oposição adulta, com noção de que o seu contributo é essencial, mas que continua a estar em minoria. Em suma, não podemos ter uma oposição birrenta, a fazer barulho só porque sim. Na maioria das vezes, será mesmo preciso usar as sandálias e esquecer as meias e as sapatilhas. Mas haverá com certeza ocasiões para calçar as sapatilhas e outras até em que a melhor solução será juntar meias e sandálias. O importante é que os munícipes estejam bem calçados.»

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1 comments:

Monteiro disse...

Muito bem e eu só acredito nas maiorias nascidas na base, no confronto direto, tal como nas comissões de moradores, comissões de trabalhadores, sindicatos, comissões de freguesia, eleição para diretores de turma...Essas maiorias sim, são genuínas. O resto é uma palhaçada inventada há cerca de 100 anos, como forma de perpetuar a exploração do homem pelo homem e de promover os mais ambiciosos que ninguém escolheu. É para estes modelos de sociedade que as coisas tendem para desconsolo da pequena burguesia.