«Não são esses dois capangas que te protegem, podes ter a certeza!” “Esse restaurante está marcado pelo povo português, nunca mais vai ter paz!” “Assassino”, “bandido”, “pedófilo”. Estas foram algumas das coisas gritadas, através de um megafone, para dentro de um restaurante onde Ferro Rodrigues almoçava com a sua mulher. Algumas pessoas podem estar tão transtornadas que é possível que achem que pegar num megafone para ameaçar e insultar alguém que está dentro de um restaurante, num momento privado e com a sua família, é um exercício de liberdade de expressão. É crime. Não sou jurista, por isso não sei se se trata de um crime público ou semi-público, por ser contra um titular de um órgão de soberania, como se passa com o Presidente da República. Sei que o Ministério Público já abriu um inquérito.
Os negacionistas – já sei que não são negacionistas, só acham que os responsáveis pela vacinação são “assassinos” – não me interessam muito. Se fosse francês ou norte-americano, interessavam-me. Aí são um real perigo para a saúde pública. Aqui, onde ainda há a memória de doenças que podem ser prevenidas matarem, são poucos. Tão militantemente desinformados como em todo o lado, mas felizmente desligados do esforço nacional que fez de Portugal um exemplo na vacinação. Assim sendo, não se lhe deve dar mais espaço do que a relevância que têm.
O que está em causa no episódio de sábado, no Largo de São Bento, em Lisboa, é outra coisa. Não encontrando qualquer resistência das autoridades públicas perante os seus atos de intimidação, estas pessoas estão a tornar-se cada vez mais agressivas. Não estamos a falar de pessoas que, neste ou naquele momento, contestam esta ou aquela opção do Estado. Basta procurar nos arquivos das crónicas que aqui escrevo para perceber que me incluo nesse grupo. Até me opus à prioridade dada à vacinação de menores. Não porque fosse “assassínio”, mas porque vacinar noutras paragens é mais urgente. Mas estas pessoas aparentam ser, em muitos casos, desequilibradas. Noutras ocasiões, viveriam o seu desequilíbrio de forma mais isolada, importunando familiares, amigos e vizinhos. Mas as redes sociais permitem que se juntem e tornam-se num perigo para outros.
Assistimos a esta agressividade totalmente deslocada perante o coordenador da task-force, a quem tentaram barrar a passagem à entrada de um centro de vacinação, com insultos. Voltámos a ver o mesmo com um juiz que, estando suspenso, continua a ser um magistrado e usou do seu estatuto para um abuso de poder sobre a PSP, incentivando outros a seguirem-lhe o exemplo. E, agora, voltam à carga contra o presidente da Assembleia da República. A lei não se suspende porque, coitados, são chalupas. Podemos ir sorrindo, mas um dia aparece um chalupa mais chalupa que nos tira o sorriso trocista da cara. E outros, bem menos chalupas, não hesitarão em aproveitar a corda que se vai esticando para a rebentar.
Sinto-me civicamente insultado ao ver um grupo ensandecido a insultar a segunda figura do Estado, num momento privado e familiar. Revira-me o estômago de cada vez que oiço o mesmo insulto atirado a Ferro Rodrigues, que resulta da lama que foi lançada sobre ele, sem que alguém, na justiça e na comunicação social, alguma vez tivesse sido responsabilizado pelo mal que causou. Mas, acima de tudo, não posso tolerar que a esmagadora maioria do país continue a assistir em silêncio à agressividade de uns poucos lunáticos que, de tanto não serem levados a sério, podem, um dia destes, vir a ser um problema sério.
Li, nas redes sociais, muitas pessoas condenarem este ato, começando por um temeroso “apesar de não gostar de Ferro Rodrigues”. Isso nem deve entrar na equação. Não foi apenas Ferro Rodrigues que foi assediado, insultado, perseguido e ameaçado. Foi o presidente da Assembleia da República. A democracia dá àqueles cidadãos o direito ao protesto em frente à Assembleia da República que nos representa, por mais delirantes que sejam os seus argumentos. Têm, em Portugal, uma enorme margem de liberdade. Não lhes dá o direito de invadirem o espaço privado dos que têm o voto popular para os amedrontar. Porque é a todos nós que tentam impor a sua vontade através da ameaça. E, nesse momento, espero que a lei cumpra a sua função.»
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