«Os profissionais de saúde estão exaustos. As urgências voltaram a entupir-se com doentes não urgentes. Passado o pior da pandemia, os velhos problemas mantêm-se. Só que as atenções já não estão exclusivamente centradas na gestão de uma crise sem precedentes que obrigou toda a gente a pensar apenas em salvar vidas. E o momento da discussão de um Orçamento do Estado é sempre o mais apetecível para fazer pressão. Seja como for, a sucessão de gritos de alerta, de diferentes pontos do país, não pode ser ignorada por ninguém.
Na semana passada foi uma demissão em bloco de 87 directores de serviço e coordenadores no Hospital de Setúbal. Aqui, o presidente do conselho de administração assume que há um défice de recursos humanos, diz que as contas estão no vermelho, explica que há uns meses pediu para abrir 33 vagas para médicos, só lhe deram 13 e, mesmo assim, só conseguiu preencher oito. Neste hospital, os doentes são hoje obrigados a esperar seis meses por uma consulta quando há três anos esperavam quatro.
No Hospital de Vila Franca de Xira, antiga parceria público-privada que passou para a alçada do Estado, também faltam médicos. E há doentes em observação numa garagem que, durante a pandemia, foi transformada em enfermaria — era para ser temporária. Não foi.
Na terça-feira, as urgências do Hospital Distrital de Leira tiveram de fechar durante a noite. Falta de médicos uma vez mais. No mesmo dia, os sindicatos dos enfermeiros decidiram uma greve nacional. Os técnicos de emergência hospitalar também já fizeram o mesmo.
A greve de três dias convocada nesta quarta-feira pelas duas estruturas sindicais que representam os médicos é o corolário desta multiplicação de notícias que só pode deixar-nos inquietos quando estamos à beira do Inverno, sabendo nós que ele representa sempre, em qualquer circunstância, uma pressão extra sobre o SNS e não sabendo nós, ainda, o que mais nos reserva a covid-19.
O anúncio de um reforço significativo no Orçamento do Estado não convenceu quem está no terreno. A cereja no topo do bolo foi a proposta de que quem faça mais de 500 horas extraordinárias por ano será devidamente pago com um acréscimo de 50%. Questiona-se se um esforço desta dimensão não contraria o bom senso e não produzirá médicos ainda mais exaustos.
Num país onde tantos sonham ser médicos e tantos ficam de fora todos os anos das universidades por não conseguirem lugar, falta uma estratégia clara para garantir recursos humanos onde eles fazem mais falta e para os reter, para atrair jovens para o serviço público e para avançar com um regime atractivo de dedicação plena. Não resolve tudo, mas seria um bom princípio.»
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