13.10.21

Fia-te no PRR e não orçamentes

 


«No último ano e meio de pandemia Portugal teve uma despesa adicional (tirando estabilizadores automáticos, como subsídios de desemprego e outros, medidas de liquidez e contabilizando despesa realizada e fundos comprometidos), em proporção ao PIB, de pouco mais de metade da média mundial e um terço das economias avançadas, em que nos integramos. Ficámos próximos dos países emergentes. Em 38 economias avançadas, só seis investiram, em despesa adicional discricionária, menos do que Portugal. Quase todos mais ricos do que nós, por isso com maior capacidade de resistência – Suécia, Eslováquia, Luxemburgo, Finlândia, Dinamarca e Coreia do Sul.

Esta suposta poupança, num país com as nossas fragilidades, terá um custo que acabará por se sentir, no futuro próximo, nas contas públicas: sairemos mais tarde da crise. Segundo as previsões da OCDE, o mundo demorará 12 meses a recuperar, a contar a partir do pico da queda da economia – no segundo trimestre de 2020. Foi uma queda sem precedentes, na sua profundidade, rapidez e sincronismo. E a recuperação será também relativamente rápida: demorará doze meses nos Estados Unidos, 18 no Japão, 21 na Alemanha, 24 na Grécia e em França, 27 em Portugal, Espanha e Itália. Mais importante: trinta meses depois do pico da queda, o PIB real mundial estará 7% mais alto, o dos EUA 6%, o da zona euro uns medíocres 2% e Portugal 1%.

É neste cenário, e no último ano em que não estamos submetidos ao irracional garrote dos limites burocráticos ao défice, que o Governo festeja crescimentos de quem acabou de cair no chão e propõe um orçamento que consegue a proeza de melhorar o saldo estrutural num dos momentos mais dramáticos da nossa vida coletiva. Mas a ideologia da austeridade está de tal forma instalada que se ouviram jornalistas, na conferência de imprensa de João Leão, a falar de um Orçamento expansionista. Instalou-se mesmo a ideia de que a austeridade nos tirará dos crescimentos anémicos desde que entrámos no euro.

João Leão garante que este orçamento, apesar de ser de contenção, é uma forte ajuda à economia. Ele próprio teve de se perguntar: como é que isso é possível? Pelo PRR. Ou seja, não é este orçamento. O estímulo contracíclico para além do PRR fica-se pelos 0,5% do PIB. É inexistente, quando pensamos no momento em que vivemos. O que o Governo se prepara para fazer é expansionismo por via do PRR, que corresponde a um determinado tipo de despesa que não resolve vários problemas urgentes que ameaçam tornar-se estruturais, e contenção no Orçamento do Estado. E parte do princípio que os partidos que sempre se opuseram a este tipo de estratégias falhadas da direita lhe viabilizarão o orçamento – provavelmente com razão.

Há coisas positivas neste orçamento, como é evidente. As alterações fiscais parecem tornar o sistema mais progressivo (apesar do maior beneficio se sentir em escalões mais altos) e não beneficiarão atividades meramente especulativas, sem funções sociais ou produtivas. Mas o englobamento é de tal forma tímido que o Estado ganhará dez milhões com ele. Há apoio às famílias com filhos pequenos, mas não se veem, ao lado, sinais de mudanças na legislação laboral para atacar um dos principais fatores de adiamento da vida dos mais jovens: a precariedade, em que somos campeões europeus.

É verdade que se aumenta a orçamentação para as escolas, mas despeja-se dinheiro em alguns problemas ignorando as suas razões estruturais: para travar a sangria de especialistas no SNS, é preciso mexer nas carreiras médicas. Mas há vantagem em continuar a prometer dinheiro para mais médicos se essas vagas ficarem por preencher: o dinheiro não será gasto e João Leão volta a fazer um brilharete. Num próximo governo de direita, haverá mais boas razões para ir privatizando parcelas do SNS, por ele ser incapaz de responder às necessidades do país.

Este Orçamento está longe das necessidades de um país que está a sair de uma crise brutal, com a economia e o Estado bastante debilitados e vários serviços e sectores em rutura. E este é o orçamento que é apresentado. Como sabemos, outro bem diferente é aplicado, porque João Leão tem-se encarregado de cativar despesa para fazer tábua rasa do que os deputados aprovam. E é por isso que os partidos de que o governo depende querem cada vez mais negociar temas paralelos, onde essa fraude é impossível. Sabem que as promessas do ministro não valem o papel onde são escritas. Nem sequer para os ministros do mesmo governo, quanto mais para partidos com que tem de falar uma vez por ano.

Com alguns aspetos positivos do ponto de vista fiscal e de apoios sociais, este é um orçamento de negação. Que deposita na capacidade de executar o PRR todas as esperanças do país. E que nega a situação explosiva em vários sectores do Estado, a começar pelo Serviço Nacional de Saúde. Este é o tempo para os economistas mediáticos irem à televisão dizer que é muito ou pouco, dependendo do que se devolve em impostos ou se dá em apoios àqueles para quem trabalham. No resto do ano, queixar-nos-emos de atrasos estruturais dos serviços públicos e da economia, atribuindo-lhes razões esotéricas ou ideológicas. Nunca as decisões que agora são tomadas.»

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