«O fantasma de um confinamento geral obrigatório está, pelo menos nas próximas semanas, afastado, mas as hesitações do Governo em escolher a melhor forma de enfrentar o agravamento da pandemia denunciam um pavor compreensível: o de saber equilibrar a protecção da economia com a manifesta falta de paciência dos portugueses para ouvir falar em mais restrições. Não está a ser fácil. Só o reforço da vacinação é indiscutível – isto se considerarmos a irrelevância do negacionismo entre nós.
Não chegam as reuniões do Infarmed, as audições com os partidos ou as recomendações de peritos, patrões, professores ou psicólogos para se chegar a uma boa medida. Se, como diz o Presidente, é verdade que “a situação não tem comparação” com a de há um ano, não se deve resumi-la ao número de casos ou de internamentos: c
Recusar o estado de emergência já é um passo, o único possível no actual contexto de cansaço e impaciência. Mas nem o derrubar desta barreira resolve o dilema. O que fica em aberto é matéria mais do que suficiente para a discórdia, a recusa ou o protesto. Porque, em bom rigor, há razões para se recusar tudo.
Do lado da economia, parece fora de causa restringir o acesso a restaurantes ou lojas. Na parte da cultura, ninguém admite o fecho de cinemas ou teatros. Exigir certificados digitais quando 87% da população já recebeu duas doses de vacina é um contra-senso. Nas escolas, não se pode mandar turmas inteiras para casa, sacrificando os interesses das crianças em favor da protecção dos mais velhos. Fala-se agora na obrigação de um teste negativo à entrada das lojas ou restaurantes, o que mina o discurso recente que ajudou os portugueses a procurar os centros de vacinação. Todas as soluções parecem frágeis, cheias de contradições.
Ainda assim, as autoridades de saúde não podem ficar de braços cruzados quando a situação se agrava, mesmo que decidir quando está em curso uma campanha eleitoral seja um pesadelo para qualquer político. O que sair da próxima reunião do Conselho de Ministros será sempre um híbrido, algures entre o confinamento e o relaxamento actual. Nesse intervalo, e ao contrário de muitos períodos críticos anteriores, há um factor psicológico a gerir.
Dois anos de tormento esgotaram a paciência dos cidadãos, e as novas medidas que aí vêm têm de considerar a resistência desse estado de espírito. Os protestos nos Países Baixos são a prova de que a forma de as sociedades se relacionarem com a pandemia mudou.»
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