2.1.22

Marcelo quer “previsibilidade”, mas o berbicacho mora ao lado

 


«Marcelo gostava que das eleições saísse alguma “previsibilidade” – uma outra maneira de dizer “estabilidade política”. No fundo, a mensagem de Ano Novo apenas repetiu aquilo que o Presidente já disse: não gostaria de ser apanhado a gerir um “berbicacho”, um Parlamento fragmentado e sem maiorias claras.

O tudo ou nada de António Costa tornou essa “previsibilidade” mais complexa. Ao apostar tudo numa maioria absoluta em que nem o mais crente dos socialistas julga no seu íntimo ser possível – deitando praticamente ao lixo a fórmula de aliança à esquerda que lhe permitiu chegar ao poder em 2015 –, Costa tornou as eleições de Janeiro totalmente imprevisíveis. Se Rui Rio afirmou múltiplas vezes que está disposto a viabilizar um Governo PS minoritário, António Costa já disse que “sim” e já disse que “nim”. Sabemos que se vai embora se perder as eleições, sendo que em 2022 o verbo “perder” conjuga-se de modo diferente do que em 2015: a “maioria de esquerda” já não conta para o primeiro-ministro. É um evidente “berbicacho” – ou seja, para já, menos uma opção na lista das eventuais “previsibilidades”.

É verdade que não há razão nenhuma para dar já como adquirida a vitória do PSD nas legislativas – não há uma sondagem que ponha o cenário sobre a mesa, ainda que indiciem uma maior aproximação entre PS e PSD. Mas a dinâmica das autárquicas, em que o PS foi o partido mais votado mas perdeu grandes centros urbanos, onde se concentra o eleitorado, de que Lisboa foi o exemplo inesperado, deveria pôr os socialistas em estado de alerta. E, no entanto, apenas se vê cansaço. Entre o cansaço de seis anos de Governo e a covid – e nem sabemos quantos eleitores vão poder votar a 30 de Janeiro –, o PS tem fundadas razões para temer o eleitorado. A conversa da maioria absoluta torna-se, neste contexto, extraterrestre e contraproducente.

Esta semana, foi aberta a página de campanha do PS pelo círculo de Aveiro, que é um monumento à semiótica da sucessão. Não se chama simplesmente PS-Aveiro ou “candidatos socialistas do distrito de Aveiro” ou qualquer coisa do género. De uma forma nunca antes vista, chama-se “Pedro Nuno Santos – Legislativas 2022”. O candidato a sucessor faz a sua agenda própria, ainda que (ainda) não tenha saído do mantra do PS para estas eleições decidido pelas altas instâncias: maioria reforçada e “só nós temos António Costa”.

Mas, tal como demonstrou nas autárquicas, Pedro Nuno Santos tem o seu roteiro próprio, com olhos postos no dia da sucessão. Na entrevista à TVI, Costa demonstrou mais ou menos claramente que não desejava que fosse Pedro Nuno Santos o seu sucessor. Claro que disse que podia ser – era o que mais faltava dizer que o ministro das Infra-estruturas estava incapacitado. Mas não deixou de colocar “ses” e “mas” à possibilidade e foi talvez longe demais porque, de caminho, acabou a excluir Ana Catarina Mendes da lista de possíveis secretários-gerais ao sugerir que ninguém sem experiência governativa poderia liderar o PS.

O ano não acaba em Janeiro, mas clarifica os berbicachos do futuro. Vamos ter Governo PS minoritário com Costa e apoio do PSD? O PSD consegue formar Governo com o apoio da direita e excluindo o apoio parlamentar do Chega, que tem nos Açores? Há socialistas que defendem que, para evitar um cenário destes, o PS devia “deixar” o PSD governar. Mas isso não se faz sob a liderança de Pedro Nuno Santos – ou então a lógica é uma batata.

O ano político que arranca hoje é, provavelmente, um dos mais interessantes de observar – mas talvez nada que se compare a 2015, quando aquilo que era impossível, a “geringonça”, aconteceu.»

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