25.1.22

Sondagens obrigam Costa a mudar estratégia a 180 graus

 


«O que deu a António Costa para, depois de ter descartado os velhos parceiros, mostrar-se agora disponível para novamente negociar com Bloco de Esquerda e PCP? O que aconteceu para que o tonitruante apelo à maioria absoluta se tenha, de há três dias para cá, volatilizado do discurso do secretário-geral? A resposta, que o PÚBLICO apurou junto da campanha do PS, é singela: as sondagens. A inversão da vantagem com que o PS partiu para eleições é agora um elemento crucial (ou uma via crucis) para decidir cada passo a dar até ao fim da campanha.

A aproximação do PSD ao PS – e em alguns estudos a abertura à possibilidade de uma vitória de Rui Rio nas legislativas – fez soar os alarmes. O discurso do apelo à maioria absoluta (que chegou a ser encarado pelos estrategas da campanha socialista como “único cenário de trabalho”) afinal não estaria a funcionar. Na entrevista desta segunda-feira à Rádio Renascença, António Costa já nem fala da ideia e chega a admitir que “metade mais um” é um objectivo mal-amado pelos cidadãos: “Percebe-se que [os portugueses] não têm um grande amor pela ideia de maioria absoluta”. E assim a frase em que assentou a primeira metade da campanha do PS foi varrida para o arquivo morto.

A expressão agora maldita foi pronunciada pela última vez pelo secretário-geral no comício de Faro, a 19 de Janeiro, véspera da tracking pool da CNN Portugal dar o PS empatado com o PSD – “Só com maioria absoluta o país pode ter estabilidade nos próximos quatro anos”, disse Costa, na noite em que afirmou que o PS “era o partido da concórdia nacional”.

Ao mesmo tempo em que as palavrinhas “maioria absoluta” desapareciam do léxico da campanha eleitoral, os ataques violentos ao Bloco e ao PCP, muito presentes ainda no comício de Faro, o último grande momento da “velha estratégia”, foram suavizados. No fim-de-semana já era notória alguma mudança, com Costa já centrado apenas nos ataques ao PSD.

E se o povo “não tem grande amor pela ideia da maioria absoluta”, no domingo, em Vizela, António Costa voltou ao discurso de 2015 e às suas, na época, elogiadas qualidades de fazer pontes: “Este é o tempo de dar força a quem ao longo de toda a vida se dedicou a construir pontes, a unir, a encontrar maçanetas nas portas que estão fechadas, a encontrar soluções onde os outros só vêem impossíveis”. É um facto que a metáfora da maçaneta da porta já tinha sido usada na famosa entrevista à RTP a seguir ao chumbo do Orçamento do Estado, onde Costa admitiu que o futuro estava em aberto – não desmentindo vir a conversar a seguir às eleições com o PSD.

A verdade é que a mudança estratégica foi plenamente confirmada na entrevista à Rádio Renascença desta segunda-feira. Desafiado por Catarina Martins para uma reunião a 31 de Janeiro, Costa diz à RR: “A seguir às eleições todos vamos ter que falar com todos, concretamente com o Bloco de Esquerda. Nunca recusei qualquer conversa com o Bloco de Esquerda”. O tom de “animal feroz” com os antigos parceiros que marcou o debate com Jerónimo de Sousa e tem dominado o discurso oficial de campanha, é amenizado: “Só tenho mesmo pena de o Bloco de Esquerda ter impedido que as conversas sobre o Orçamento do Estado tenham continuado para além da generalidade”.

Afinal, depois das proclamações de falta de confiança nos ex-parceiros da “geringonça”, o discurso está em mutação curiosa: “Nunca tivemos nenhuma porta fechada ao Bloco, mas obviamente a seguir às eleições vamos ter que falar com o Bloco e com todos os partidos da Assembleia”, menos o Chega – “Só com o Chega é que não há grande conversa”. O problema da governabilidade que Costa desdenhou até agora (admitindo governar à Guterres, proposta de lei a proposta de lei) é agora essencial: “Com todos os outros partidos vamos ter que falar seguramente para garantir uma boa solução de governação para o país no futuro”. Quando Susana Madureira Martins, da RR, lhe pergunta se é possível essa “base de entendimento com o PSD”, responde que “em democracia há sempre uma base de entendimento que é o país”.

A estratégia não estava a funcionar, mas as mudanças a 180 graus têm sempre um risco, o de serem atacadas com base na famosa frase de Groucho Marx: “Estes são os meus princípios, se não gostar tenho outros”.

Zé Albino, herói inesperado

Se Costa continua a concentrar agora todas as energias a combater Rui Rio (aludiu em Viana do Castelo às “maroscas” no programa do PSD), o dono do Zé Albino aproveitou esta segunda-feira a popularidade do seu gato para mandar calar o secretário-geral do PS: “Um dos elementos que tem sido notório nesta campanha, um elemento importante, é o Zé Albino. Acho que há aqui candidatos, em particular António Costa, que deviam seguir o exemplo do Zé Albino: consegue ser uma figura central da campanha e não perde uma única oportunidade de estar calado. António Costa às vezes perde oportunidades de estar calado.”

Rui Rio elegeu o seu animal doméstico em ‘figura central da campanha’, mais um passo na imagem de “pessoa comum” e “autêntica” que tem conseguido transmitir ao eleitorado. Ao evitar entrar em temas fracturantes – a Segurança Social, o SNS, aqueles relativamente aos quais não foi suficientemente claro nos debates e para os quais todos os dias o PS exige clarificação –, talvez consiga chegar a um bom resultado à conta do cansaço com o PS.

António Costa não tem gato, tem um cão e uma cadela e deixou para trás a sua alegada arrogância que as sondagens estão também a castigar. Não foi o animal feroz que esteve esta segunda-feira no terreno, mas o sedutor-prestidigitador: “Entre o Zé Albino e o dr. Rui Rio eu hesito. É indiscutivelmente um gato bastante simpático, embora Rui Rio o tenha deprimido. Mas desejo as melhoras do Zé Albino, que ele rapidamente se anime. Com a vitória do PS, o Zé Albino vai sentir-se menos só e Rui Rio vai ter mais tempo para ficar em casa e brincar mais com Zé Albino e isso vai fazer muito bem ao Zé Albino”. Fosse o país uma gigantesca rede social e tanto o presidente do PSD como o secretário-geral do PS a estas horas já teriam muitos “likes”.»

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