25.2.22

A agressão russa e a "fake law"

 


«Muitos não acreditaram, quase até ao fim (neles me incluo), que a Rússia pudesse lançar um ataque em larga escala contra a Ucrânia, pela especial irracionalidade da decisão, pelas consequências dramáticas que esta decisão vai importar para aquele país, para o seu povo e para a paz internacional.

Das declarações sucessivas de Vladimir Putin resulta que, afinal, a invasão da Ucrânia não existe. Trata-se, isso sim (como aliás reafirmou o representante russo no Conselho de Segurança), de uma "ação militar especial", para enfrentar a ameaça que a Ucrânia representa para a segurança russa (!), desnazificar o regime ucraniano (!) e, finalmente, ajudar, a título de legítima defesa coletiva, as "repúblicas" populares de Donetsk e Lugansk, reconhecidas há dias.

Tínhamos as "fake news", e continuamos a tê-las; mas há que acrescentar-lhes a "fake law". É impressionante como a manipulação do Direito, como poucas vezes no passado, é realizada para promover as mais graves violações desse Direito - e, reconheça-se, o líder russo tem-se mostrado exímio nesse exercício.

Desde 2014, e apenas para me referir à Ucrânia, violentou o direito de autodeterminação dos povos (abusando-o para anexar a Crimeia), a proteção dos direitos humanos (alegando, a roçar o absurdo, genocídio contra a população russa ou russófona do leste ucraniano) e a legitimação para o uso da força (com base no pedido de "auxílio" feito pelas duas entidades secessionistas de Donetsk e Lugansk), declarando estar a agir ao abrigo da Carta das Nações Unidas.

Poderá ser contestado este diagnóstico com o facto (comprovável) de que nunca um agressor assumiu sê-lo, e não poucas vezes até se justificou das formas mais contraditórias. Mas, aqui, a própria construção da realidade junta "fake news" e "fake law". De facto, a própria sequência dos factos é irreal, e isso é indubitável: gravações feitas vários dias antes, declarações de um Chefe de Estado que é possível provar terem sido feitas antes, com absoluta premeditação, ou a gaffe de um alto responsável que, aterrorizado perante o chefe, diz defender a incorporação do Donbass na Rússia e desnuda a verdade.

O que não é "fake", muito infelizmente, é a realidade que temos perante nós. E, nessa realidade, não consigo deixar de pensar, sobretudo, nos milhões que fogem perante o agressor, na população civil que está hoje obrigada a deixar o seu lar e a iniciar um caminho que sabemos onde e como começa, mas não como poderá terminar em segurança.»

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