22.2.22

E quando cair a máscara...

 


«Nos últimos dois anos, a máscara não nos tapou apenas a boca e o nariz. De alguma forma, serviu como um escudo protetor da infeção, mas, também, como símbolo de outros escudos e defesas que criamos. Foi como se, além da boca e do nariz, tivéssemos estendido a máscara aos olhos e, até, ao pensamento. Uma espécie de filtro, que nos "protegia" de tudo à volta. Durante dois anos, comportámo-nos como as sociedades de um país em guerra - vivemos o dia-a-dia, com adaptações constantes a regras, novidades, mutações, restrições e confinamentos. A pandemia foi o tema, sempre o tema, com toda uma sociedade a girar em torno dela. Nada do que fizemos, dissemos ou até pensámos, não foi condicionado pela covid-19.

Quando, daqui a umas semanas, tirarmos a máscara, não é apenas o nariz e a boca que vamos destapar. De alguma maneira, abriremos também os olhos para tudo o que se passa à nossa volta, e voltaremos a ter a liberdade de pensar sobre o nosso dia-a-dia sem um filtro involuntário no pensamento. À realidade da pandemia vamos somar as outras realidades que fazem parte do quotidiano - a política, com uma posse de governo adiada e um orçamento atirado para junho; a social, com um país desigual, injusto, desequilibrado e pobre; a económica, com um rasto de destruição de pequenas e médias empresas, inflação a subir, juros a subir, preços a subir e o salário quase na mesma; e uma outra, se quisermos, emocional: será que voltam os abraços, os beijos, os afetos sociais ou, pelo contrário, durante muito tempo vamos continuar a ter receio de dar um abraço fraterno, um aperto de mão caloroso ou um beijo?

O que vamos encontrar quando tirarmos a máscara, da cara e do pensamento, é um país que mudou, hábitos que se perderam, outros que se ganharam. Uma mudança social que merece e precisa de reflexão. Como o fenómeno do teletrabalho, muito útil para uns, mas penoso para milhares de outros que não conseguem trabalhar isolados, confundindo o espaço de trabalho e o da intimidade, transformando a mesa de refeições em secretária e a casa em escritório.

Esbatemos as fronteiras entre o refúgio que deve ser a casa e a exposição desse espaço a reuniões via digital. Deixámos de receber e visitar amigos e família, pedimos mais comida para entregar em casa, saímos menos. Conheço algumas pessoas que, hoje, já não sabem estar "em sociedade". Faz-lhes confusão o ruído, estar com muita gente, ouvir falar alto ou suportar música que não seja regulada por si. Ficámos mais fechados, mais egoístas, mais isolados e menos sociáveis. Desabituámo-nos de algumas rotinas familiares que faziam parte só porque sim, e estamos hoje mais longe uns dos outros. A vantagem da tecnologia, de nos pôr em contacto uns com os outros, fez que, ao mesmo tempo, ficássemos também mais dependentes dela para tudo e mais um par de botas. E, hoje, a impaciência pela espera de um site que não abre ou de um mail que não chega tornou-se ainda mais exacerbada.

Acabados de sair de eleições - já parece que foi há uma eternidade e ainda não passou um mês -, adormecidos por uma maioria absoluta que governará como entender com o mandato passado pela legitimidade das urnas, com dinheiro da bazuca a rodos e com pressa para ser gasto, com um presidente que continuará igual a si mesmo, os desafios são imensos e convém não nos deixarmos embalar.

Recuperar a economia, transformar Portugal num país moderno - na administração pública e no Estado -, rever o SNS e a forma como está organizado e é gerido, perceber que é preciso inverter as alterações climáticas, apostar no conhecimento, na ciência e na tecnologia, permitir que surjam mais e melhores empresas, subir os salários, descer os impostos, não desperdiçar recursos, combater a corrupção, ter uma justiça justa, porque rápida e em tempo útil, tratar da saúde mental, recuperar listas de espera, criar condições para que, todos, vivamos melhor e mais tempo, perceber que país queremos ser e qual o caminho a seguir.

Há tanto para fazer quando tirarmos a máscara.

Seremos capazes? Ou vai ser mais uma década perdida?»

.

0 comments: